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Livro: Paisagem interior de Marcos Vinícius Almeida

 

Por Annita Costa Malufe

Este conjunto de contos parece contradizer certas ideias frequentes em nosso tempo: todas as histórias já foram contadas, não há mais espaço para se narrar, estamos fadados a narrativas fragmentadas, a fatos que perderam qualquer sentido comunitário (como primeiramente previu, talvez, Walter Benjamin)… Ainda bem que, vez por outra, alguns escritores não se conformam com isso e retomam o hábito ancestral da narrativa, devolvendo-nos, renovado, o prazer da simples escuta de uma história.

No caso dos narradores deste Paisagem interior, a proximidade do tom do contador de causos: figura típica dos interiores de nosso país, sobretudo de Minas Gerais, de onde vem o autor. O contar por contar, pelo mero prazer de desenrolar uma história, muitas vezes apelando a detalhes insignificantes, seguindo sempre o andamento da fala. A oralidade se faz forte nessa escrita, e o leitor se põe de fato a ouvir o texto, que se transforma em um fluxo oral extremamente fluente e bem construído – muitas vezes a partir de um competente uso do discurso indireto livre.

Tal traço não indica, contudo, um parentesco direto com Guimarães Rosa. Ao contrário, mais próximo de escritas como as de Thomas Bernhard, William Faulkner ou Antonio Tabucchi (autores em que a oralidade assume a frente), os contos de Marcos Vinícius Almeida são povoados de narradores e personagens urbanos, moradores das pequenas (quando não minúsculas) cidades brasileiras, e que nos são revelados com uma linguagem direta, extremamente contemporânea, sem pretensos regionalismos atualizados ou mimetismos roseanos.

Vale observar que a Paisagem interior, aqui, poderia ser também a do interior, do Brasil, para além de uma remissão mais imediata ao íntimo, dos personagens ou do próprio autor. Interessante é notar que o título bem expressa o movimento presente nas narrativas: os lugares por elas trazidos, mais do que simples cenários externos, são reveladores de qualquer coisa de interior, de interno, aos personagens.

Esse jogo entre paisagens interior e exterior, do espelhamento mútuo entre dentro e fora – que nos lembra o poeta Fernando Pessoa e sua teoria da sensação – faz a riqueza desses pequenos causos, em que uma aparente mera descrição de uma tempestade, de um jogo de futebol ou de um corpo morto de um homem sendo salvo por outro, é carregada de afetos e reflexões existenciais. Tudo com muita sobriedade e às vezes humor. É através de imagens muito concretas e sensoriais que somos levados ao interior das personagens, que pode ser, no limite, o interior de nós mesmos, leitores.

Seria impossível falar desses contos sem notar, como insistia Júlio Cortázar, a proximidade entre os gêneros conto e poesia. Para além do ritmo certeiro, a sutileza e atenção sensível às minucias fazem não somente a riqueza, mas também a maturidade do olhar do autor, que embora tenha reunido pela primeira vez seus contos em um livro, está longe de poder ser considerado um estreante.

 

 

 

Release:

Livro de contos explora paisagens de Minas

Com uma linguagem com forte lastro na oralidade, mineiro Marcos Vinícius Almeida joga com as ambiguidades do interior 

Um carro de boi, casinhas de alpendre, portas destrancadas e meia dúzia de aposentados jogado dama na pracinha, ao redor de um coreto. São essas imagens que veem à nossa cabeça, quando pensamos nas inúmeras cidades do interior de Minas Gerais. Estereótipo de uma vida tranquila, é nessa paisagem bucólica que pensamos, ao dizer – cansados do trânsito e da vida dura das grandes cidades – que vamos mudar para o interior, em busca de paz e sossego.

Mas os seis contos que compõe o livro Paisagem Interior (Editora Penalux, 2017, 110 páginas), afastam-se desses lugares-comuns. O interior retratado na obra é hostil e complexo, e foge muito do paraíso bucólico dos anúncios turísticos. Talvez porque esse interior, como uma espécie de paraíso perdido, não exista mais. Nem na realidade, nem nos livros.

 

Interior na Literatura Brasileira

Não é preciso ir muito longe. Mesmo uma pesquisa mais superficial sobre a ficção contemporânea publicada nos últimos anos, certamente revelaria que a grande maioria das personagens e espaços representados na nova Literatura Brasileira está restrita ao universo das metrópoles e dos grandes centros urbanos. O interior, em certa medida, quase que desapareceu da literatura.

O motivo disso talvez seja a própria dinâmica da realidade. O crescimento das cidades, a formação das megalópoles. Mas, apesar disso, ainda resiste um núcleo contraditório, um espaço ao mesmo tempo arcaico e moderno, que subsiste espalhado pelo país. É desse universo em ruínas que a coletânea de contos Paisagem Interior se nutre. De partida, esse é um dos méritos do livro.

“A ficção de Marcos Vinícius Almeida atinge seus pontos mais altos justamente quando mergulha nesses interiores periféricos e despedaçados”, afirma o escritor e doutor em Teoria Literária pela PUCRS, Luís Roberto Amabile, que assina o posfácio. “Embora inspirado em mestres como Luiz Vilela e Oswaldo França Jr., o Marcos tem uma voz muito própria e seus contos são muito bem arquitetados”.

O interior que o livro revela – sempre num jogo de ambiguidade entre interno e externo, pois o interior aqui pode ser o íntimo das personagens, mas também a paisagem interiorana – escapada da visão romantizada desses espaços onde a classe média costuma ir visitar os avós. É um universo duro, contra o qual as personagens se debatem.

“Interessante é notar que o título bem expressa o movimento presente nas narrativas”, explica a poeta e professora do programa de pós-graduação em Literatura e Crítica, da PUCSP, Annita Costa Malufe, “os lugares por elas trazidos, mais do que simples cenários externos, são reveladores de qualquer coisa de interior, de interno, aos personagens.”

Desterro

Marcos Vinícius Almeida nasceu em Taboão da Serra, na grande São Paulo, mas cresceu e se criou em Luminárias, uma cidade de cerca de seis mil habitantes, que fica no sul de Minas Gerais. É dessa vivência no interior que vem parte da inspiração das personagens. “Eu sempre me senti meio deslocado lá. É uma coisa meio ambígua. Quando criança, uns amigos sempre diziam: ‘você não é daqui’. E não era mesmo. De certa forma, nunca fui completamente integrado. Ao contrário deles, cujas famílias eram gigantescas, com avós, pencas de primos, meu núcleo familiar sempre foi restrito à minha casa”, diz o escritor, que hoje vive na capital paulista. “Mas também só fui conhecer a cidade que nasci, Taboão da Serra, já beirando os trinta. O que sempre me deixou numa posição de estrangeiro desterrado, sem lugar de origem. Talvez daí venha uma sensação de olhar as coisas sempre à certa distância. E talvez por isso me sinta mais ou menos bem em São Paulo. Todo mundo em São Paulo tem um pé, um antepassado, uma raizinha que seja, que escapou de outro lugar”.

SERVIÇO:

O lançamento do livro acontece em São Paulo, na Livraria Patuscada, em Pinheiros, no dia 18 de agosto, a partir das 19hs. E também em Luminárias, no interior de Minas, na Casa da Cultura, no dia 20 de agosto, a partir das 17hs.

Ficha Técnica

Título: “Paisagem interior”, contos

Editora: Penalux

Autor: Marcos Vinícius Almeida

Páginas: 110 páginas,

Preço: R$ 35

Disponível em:

https://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=600

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