Por Ronie Von Martins
Muito alta. E na parte mais alta. Zombando de sua impossibilidade, ela. Grande e vistosa. Redonda. A laranja.
Rosto voltado para cima maquinava em seu pequeno cérebro artimanhas fantásticas para apanhar a grande laranja. Outras menores e sem graça estavam ao seu dispor. Mas a grande. Ela. Estava longe. Distante de seus sete anos de idade.
E o pior de tudo é que era um homenzinho como a sua mãe dizia. Não devia pedir ajuda. Aquilo era uma questão de honra. Era entre eles. A laranja e ele. Mas era alto. Isso podia ver. Do alto ela continuava zombando.
Pedra. Sim. Colocaria à baixo todo o orgulho daquela laranja à pedradas. Agora ela sentiria o poder do seu braço. Agachou-se no chão e apanhou uma pedra. Precisaria de mais – pensou – e ao pé da laranjeira amontoou um pequeno número de pedras de todos os tamanhos e formas.
Da janela de casa a mãe observando as “funções” do filho resolveu aproximar-se para ver o que acontecia e perguntou-lhe o que fazia. Apanhado de surpresa e não querendo se “entregar” e pedir a ajuda da mãe respondeu que estava fazendo uma montanha de pedras para carregar com o carrinho de plástico. O olhar do menino misto de mentira e ingenuidade era algo digno do sorriso que se fez no rosto materno. “Tudo bem meu filho, mas não vai te machucar… qualquer coisa a mãe ta lá dentro.” E com passos lentos e ainda com uma rápida olhada para o filho a mãe voltou-se para os seus afazeres.
Levantou-se do chão onde estava sentado juntando as pedras e o pânico tomou conta. Quase chorou, quase chamou definitivamente a mãe. Mas segurou. Resistiu firmemente, “era um homenzinho…” aos seus pés jazia uma laranja, enorme furo, morta, seca. Um grande pássaro estava próximo de sua laranja. Ia furá-la, estragar a fruta, vence-lo. Frustra-lo para o resto da vida. Ficaria traumatizado. Ouvira seu pai dizendo esta palavra quando olhavam televisão, achou bonita, perguntou ao pai o que significava… o pai respondeu alguma coisa que ele não entendeu bem… sabia que tinha a ver com tirar algo de alguém, fazer alguém sofrer… por aí. Se o pássaro comesse sua fruta, estaria marcado pro resto da vida, seria um terrível “traumatizado”. Foi então que em desespero começou a tocar pedra na árvore. O pequeno corpo no esforço de jogar pedras nas alturas.
Na cabeça. A pedra elevou-se, parecia ir longe, mas de repente, sem mais impulso, força ou vontade parou. Ele observou. A pedra morreu no ar. Os olhos do guri se arregalaram, e ela voltou. Certeira, veloz, pesada, “pum”. Na testa. O guri caiu, tentou segurar o choro, levantou-se, o corpo tremendo de vergonha, raiva e dor, os braços frenéticos no ar, as pernas saltitando e fazendo o pequeno corpo dar pinotes engraçados. Gritou. Chorou. A mãe e o pai correram. Não parava de chorar. A mãe perguntava o que acontecera, o pai com o filho no colo tentava encontrar alguma coisa errada, um arranhão, um machucado. Ainda aos gritos o menino percebeu no céu o pássaro que estava na árvore. Assustada a ave resolvera fugir. Olhou para o lugar onde a laranja se encontrava, lá estava ela. Parou de chorar e pediu pra sair do colo do pai. Disse que estava bem, que fora só um susto…o pai desconfiado olhou pelo terreno, procurando algum bicho, inseto, mas não encontrou nada. “Não quer olhar TV meu filho?” Não, o guri não queria, e os pais por fim resolveram voltar para dentro de casa. Aliviado e enfurecido, o “galo” na cabeça incomodando, o pequeno homem apanhou um pedra grande e atirou contra a árvore. Errou. E sobre o muro a pedra passou. A criança ouviu quando uma vidraça se espatifou. Do outro lado uma voz de homem gritou uma palavra que ele tinha lido na escolinha, na porta do banheiro, mas que não sabia o que significava. Mas pelo jeito que o homem falara não devia ser coisa boa. O coração parecia que ia sair da boca e um medo pesado e opressivo tomou-lhe o corpo e a mente. Seria preso. A polícia viria pegar-lhe. O resto da vida na cadeia. Como os filmes que via na noite quando o pai dormia e ele voltava a ligar a TV do quarto. Tinha que fugir. Tinha que fugir! Correu pra dentro de casa, apanhou a pasta do colégio, tirou os cadernos, enfiou o urso de pelúcia, apanhou a espada do He-man, precisava de proteção. Juntou um saco de biscoitos no armário, uma garrafinha de água na geladeira e ganhou a rua. Correu para a porta exatamente no momento em que o vizinho apertara a campainha. Tinha que ser agora. Deveria ser rápido, frio e calculista. Esperou o pai aproximar-se, no exato momento em que a porta abriu-se ganhou a rua. Uma golfada de ar gelado, uma sensação estranha invadiu seu corpo. Agora estava sozinho. Ele e o mundo. Não tinha casa, pai, mãe, amigos. Só o mundo e os perigos das aventuras que surgiriam. Correu para as esquina, o lugar mais longe que fora até agora. Faria seu lar ali. Sim. Aquela esquina seria seu novo lar. Faria uma cabana, encontraria um cachorro como amigo e começaria uma vida nova.
Sentou-se em uma calçada e pensava na vida quando o Jovenal, o dono do armazém chamou-lhe. “Brincando seu Veriatinho?” O menino aproximou-se, peito estufado, olhar severo e forte. Agora era um homem enfrentado o mundo. “Fugi de casa, agora estou morando sozinho.” Os olhos do Jovenal, homem gordo e simpático sorriram. “Então o jovenzinho resolveu abandonar a família?” O menino apenas fez que sim com a cabeça. “E onde vais morar?” “Aqui.” respondeu o menino. “Vou fazer minha casa nessa esquina.” O Jovenal entrou para o armazém e voltou com uma grande caixa de papelão. “Toma então, tenho uma bela casa aqui.” Os olhos do menino se iluminaram. Escorou a grande caixa de papelão ao lado do armazém e entrou. Uma sensação de conforto invadiu-lhe o corpo. Agora estava protegido, dentro da sua própria casa. Pegou a espada do He-man, abraçou-se ao urso e “enroscou-se como um cachorrinho para dormir”. As aventuras se sucediam uma atrás da outra. Dragões, feiticeira, índios, monstros, todos eles eram derrotados pela sua grande espada encantada. Lugares estranhos e nunca vistos eram desbravados, por onde andasse as pessoas o cumprimentavam, pediam sua ajuda. Sem dúvida tornara-se um grande herói.
Acordou ouvindo a conversa do pai e da mãe. “Esse guri…” foi o que mais ouvia das conversas. Olhou assustado para os lados, estava no quarto, o seu quarto. A caixa de papelão do seu Jovenal ao lado da cama. “Pois é…” era a voz do Jovenal “ O rapazinho deitou na caixa e dormiu como uma pedra.”
Estava novamente em casa. o que aconteceria? E a polícia?
A mãe entrou no quarto, afagou-lhe os cabelos. Isso era bom. Muito bom. Algumas palavras. Muitos sorrisos. E a noite veio. O sono e o sonho.
No outro dia jogava bola no pátio. Era um grande jogador de futebol, a árvore era o adversário, ridículo, pesado, e ele driblava o oponente do jeito que entendia, era um craque do futebol. Correu, driblou, cansou. Sentou-se satisfeito, o jogo havia acabado trinta e nove a zero para ele. A árvore não havia feito nenhum gol. Sentou-se no chão. Ofegante. Um silêncio enorme invadiu a manhã. “Pum” a laranja despencou na sua cabeça. Meio tonto e enfurecido, sem perceber o que fazia, apanhou a laranja e lançou-a sobre o muro. Arregalou os olhos. Uma careta. Esperou o berro que escalou o muro e saltou aos ventos:
– Mas que merda!!