Por Ronie Von Martins
Não. Ainda não era o que deveria. Ser. Seria das palavras. Seria o corpo e mente. A boca da palavra. Era isso. Queria isso. Queria ser verbo. Era imprescindível ser. O discurso. Todo ele. Em todos os gêneros. Em todos os tipos. Tinha que ser. Não lhe bastava o corpo exato. Medido em carne e osso e sangue. Queria o outro. Sangue negro da tinta. O sangue nobre do corpo do texto. Sangue que escorre pelas páginas e diz. Fala. Mas não era. Era muito aquém disso. E daquilo. Era a lacuna e o espaço branco. O silêncio da palavra. O espaço do desespero do verbo que não se concretiza. Túmulo do verbo. Frustração. Os dedos buscavam o ritual. Dança frenética em busca da magia que abrisse as portas para aquela outra dimensão. Noites de encantamentos em vão, de mandingas e bruxarias. Mas não havia nenhum portal, nem uma porta a ser aberta. E lhe era negada a entrada naquele mundo outro que tanto almejava. O que conseguia nos textos eram espaços, lacunas, travas, tombos. Sua mágica não era boa. Nem suficiente. E suas gavetas de bocas abertas esperavam a ração diária. Alimentação literária. E sofria. Muito. Via o mundo através de palavras. As ações eram descritas, reescritas. Parecia estar sempre narrando sua própria vida. Produzindo artigos científicos de suas dores. Crônicas de suas mazelas particulares. O mundo era um texto. E em cada reles espaço havia uma palavra a ser decifrada, quebrada e descoberta em todas as suas possibilidades. Mas era triste. Muito triste. Aquela tristeza dos grandes clássicos. Tristeza clássica. Um dia estendeu um lençol branco no chão. Página mortuária. Deitou o corpo em enigma e resolveu morrer. Corpo-letra. Ponto. Símbolo. Naquele dia as gargantas das gavetas foram devassadas por parentes e amigos. E o silêncio falou. E dos espaços e quebras e frestas de sua morte, imagens e sons se fizeram. Em lágrimas de olhos outros. Em verbos que dançavam loucos. E sua morte fez-se letra e frase. E livro. E texto.