Por Ronie Von Martins
Tinha que fazer. Seria fácil. Pensou na mulher. Na alegria da mulher quando voltasse com uma bolsa nova. Uma bolsa era tudo a mulher queria. “Todas têm bolsa bonita, só eu que não. Só eu que não…” isso martelava na cabeça dele. Foi então que aceitou. Tinha recusado. Sempre recusara. O primo vinha com aquela conversinha de que tudo era fácil, muito dinheiro e essas coisas. E ele recusava. Medo? Sim, era medo. Mas quem não tinha medo. O medo é que nos tinha. A todos. Amarrava todos pelos pés, e quando queria divertir-se, nos puxava para o inferno. Era assim que ele estava se sentindo. Como se alguém o estivesse puxando para o inferno. E o inferno era a casa.
Forçou o cérebro para perceber o ato como algo mecânico, matemático. Pularia a janela, o primo trabalhava na casa. Deixaria destrancada. Era só entrar. A velha estaria dormindo. Ela dormia cedo. A velha.
Dizia o primo que era uma mulher muito chata e doente. Mulher má – dizia o primo – enrugada como uma bruxa. Merecia ser assaltada. E se morresse de susto não tinha problema. Já era velha e ninguém ia dar falta.
O primo não gostava da velha. Ninguém gostava da velha. Nem o mundo.
A rua estava escura. O primo mandara… Pagara alguns moleques para quebrar as lâmpadas dos postes próximos. De bodoque na mão, a gurizada fuzilou as lâmpadas, a escuridão caiu sobre a rua.
Queria estar em casa, olhando o Fantástico, comendo pipoca e tomando um mate. “Meu Deus, o que é isso, o que eu estou fazendo?” pensava. Chamou o grande pastor que cuidava do pátio pelo nome. “Leão. Leão!” eram velhos conhecidos. O primo, jardineiro da velha, levava o cão para passear. Levava-o para a casa dele. Ele dava comida, fazia carinho. Eram amigos. O cão gostava mais dele do que da velha. Os dentes do Leão eram navalhas. Mas jamais o morderia. Veio fazendo festa, lambeu o rosto dele, balançou o rabo. “Amigo, amigo…” ele falava. O coração forte a esmurrar as paredes do peito.
“Vai, vai sim.” Disse a mulher. “Chega de viver como escravo. Olha pro teu primo, aquele sim sabe viver. Sempre com dinheiro no bolso, carrão e dando vida boa pra mulher dele.” Ele tentava argumentar… Mas não saia do “Mas querida… mas…” e ela já o enchia de gritos e desaforos. “Palerma, frouxo, covarde.” Ela era bonita, jovem. Ele era feio e velho. Quarenta e oito anos como servente de pedreiro acabava com qualquer um.
Enquanto vomitava no banheiro, olhou-se ao espelho e entristeceu. Acabado. A imagem era do fracasso. Do seu fracasso. Não tinha filho. Não tinha mais ninguém, só ela, Hilda. Mulher fogosa e brincalhona, mas muito geniosa. Ainda lembrava dela no casamento. Ele prometendo vida nova. Ia ser pedreiro, ia construir uma casa linda. Tinha muitos fregueses, ia contratar ajudante… ela ia ver só, ia ver só…
O tempo passou e nada mudou. Continuou como servente. Pobre e triste. Mais triste do que pobre. A bolsa era o símbolo, o signo de tudo que a mulher queria que ele prometera e não cumprira. Quando brigavam – coisa freqüente – ela zombava: “E a minha bolsa nova?”
Trouxera alguma comida para o cachorro, sabia que ele só comia ração, adorava carne. Trouxera restos de carne do açougue. Jogou em um canto e o cão desapareceu. Escalou a parede, empurrou a janela e entrou na casa. O coração nunca batera tão forte. Chegava a doer no peito. Quase pensou que ia morrer ali. Acendeu uma pequena lanterna. Era uma sombra. Quase não fazia barulho. Mas ouvia todo o som que seu organismo angustiado fazia dentro da barriga. Pensou no primo. O que estaria fazendo?
Levantou-se do corpo nu da mulher. Tudo escuro. Não gostava de ver nada. O primo estava fazendo o que tinha que fazer. Era bobo. Mas era um bom sujeito. “É, um bom sujeito.” Pensava nisso quando as mãos de Hilda o puxaram para dentro do seu corpo novamente. Foi nesse instante. Que o facho da lanterna atingiu o rosto branco e assustado da velha. Mãos tremendo, lágrimas no rosto. Enorme revólver nas mãos. Um estampido. Um latido de cão, um orgasmo e o mundo voltavam ao seu louco girar.