Por Ronie Von Martins
Responder qualquer pergunta é um martírio. As respostas sempre serão evasivas. Por mais exatas que sejam. Ilusão da pergunta. Uma pergunta jamais terá uma resposta. Sempre uma proximidade distante. Uma zona de avizinhamento, um ter a ver. Uma pergunta é feita sempre sem se esperar a resposta. A pergunta é para marcar o espaço. Para perceber o olho outro, as expressões faciais das possíveis respostas.
Uma pergunta é uma facada. Corte sem possibilidade de cicatrização. Uma pergunta é espaço vago que te come e devora em dentes, sentidos e aproximações.
– Você me ama?
Clássica. Romanesca. Fílmica. Teatral. A fatídica pergunta. Dardo exigindo um coração. Espetá-lo. Atravessá-lo.
Eis o momento da resposta. A busca das palavras. A concatenação da frase.
Amar?
O que é amar. De que forma amar? Intensidade? Não amar?
Os olhos perguntam mais que a boca. A boca exige mais que as palavras. Estas são vagas, soltas. Falta-lhes a força, a veemência.
– Você me ama?
É o silêncio dos olhos que perguntam. Exigem uma resposta além da esperança. Da suspeita.
Amar o corpo. E o calor singular da carne. Amar o toque, o contato. Amar o beijo. Amar.
O que é o amor? Amas a presença, o outro? Sendo este outro? Ou amas no outro o que este não é e desejas? Amar.
Desejas a fala e a voz e a idéia, assim como o rosto, a boca e o sexo?
Amas o outro no que este é ou no que gostarias que fosse?
O ambiente conspira contra mim. Silencioso. As paredes pesadamente respiram sua pressão, impressão sobre meu discurso. Comprimem meu verbo, ordenam a verbal construção. A flor no vaso torce o rosto e me olha. Seu perfume funesto me sufoca. O que é o amor além de um ponto de interrogação?
No peito dela. Um coração aflito já não se aguenta, e é visível o sofrimento. Os olhos umedecem. Lágrimas?
Sim. O amor também é lágrima.
O rosto é belo. O corpo. Mas o verbo? Os verbos são afins? As palavras lavram o mesmo terreno, cantam o mesmo verso, declamam o mesmo poema?
Mas… há necessidade disso? A semelhança será exigida. Sempre. Será amor? Mas e a diferença? Não?
A cantora do rádio silenciou. Também ela, curiosa, espera minha resposta. Minha palavra é silêncio. O discurso é volátil, etéreo. As palavras não dizem.
-Não me amas?
A lágrima despenca derradeira por rosto que se transforma em dor e angústia.
Como não amar? Dizer que não se ama é impossível. Declarar o não-amor é tão tolo como declarar o amor.
O problema do amor é a intensidade desejada. Sempre esperam uma intensidade maior que a que oferecemos. Quero que me ames assim… mas sendo assim não será o meu amor… será o teu. Esta é a intensidade tua, não minha.
Te amo. Mas não como precisas. Não como desejas. Amo teu nome, teu corpo. Tua presença. Amo. Mas amo as letras, os livros, as lendas, as traças. Amo a poesia, o verbo. Amo também o álcool, amo a noite. Os bares. As mulheres. Amo a insensatez do meu discurso.
Amo os cães da rua. Até as pulgas destes cães eu amo. Cada uma com seu universo puro. Seu mundo seguro.
Te amar? Por Deus… te amo como amo minha sombra ao pé. Amo como a sensação da água que molha o corpo. Amo sim. Mas não te amo.
Não te amo como a única. Não te amo como prisão nem posse. Não te amo em casa e lar e família e televisão e cama e programa de domingo. Não.
Não te amo em véu e grinalda. Não te amo em banalidades domésticas.
Sinto. Sinto.
Amo tua ausência. Amo tua imagem indo. Amo tua lágrima salgada. Amo tua dor e a minha. Amo teu nome. ..Te amo neste espaço em que não estas. Amo de tal forma teu desejo de amor que liberto-te para encontrá-lo em outro corpo, verbo e oração.
Um beijo.