Arte Literatura Ronie Von R. Martins

Uma rua nunca é “só” uma rua

Por Ronie Von Martins

Uma rua nunca é “só” uma rua. Uma rua é um mundo inteiro. E é neste mundo. Novo mundo de casas que se olham e de pátios que se tocam que abrimos os olhos e estendemos passos. Um passo nunca é “apenas” um passo. Assim como a rua, o passo também é mágico.
Penso nas ruas que se delineiam em minha memória. Casas que ainda me sussurram segredos. Cores antigas que ainda alegram as visões da minha infância.
E ali. Nas ruas onde meus passos se inscrevem, ainda vejo as pessoas que mais ninguém vê. São minhas, também as pessoas, pois habitam minha memória, e o perfil que delas traço são únicos. Linhas tênues de suas existências que me olham das sombras, das janelas antigas; sob as árvores…
Vejo-me ali. Criança. Distante destes tempos que configuraram minha carne, meu corpo e minha palavra. Era apenas um “guri”, e minhas preocupações eram “caçar” Maria-gorda na valeta logo depois dos trilhos. Brincar de “pescar bonecos de plástico” com minha irmã e comer amoras empoleirado na amoreira, um Tarzan invadia meus pensamentos de “mandinho”, como os mais velhos me chamavam na escola.
Mágica. De uma sonoridade férrea, a rua se enchia do fluxo do ferro e das velocidades dos homens e dos trens que coabitavam e que amalgamavam. Homens de ferro, trilhos de carne, esperanças sinuosas como as linhas dos trilhos. O ferro era como o sangue que dava vida a minha rua e aos homens que nela pulsavam.
Ainda vejo um pai, sentado juntamente com outros tantos pais, em um trole, impulsionando o pequeno veículo com os pés. Deslizando pelos trilhos das alegrias infantis a descerem seus “ranchos”, mulheres sorrindo, crianças tagarelas e cachorros.
Vários cachorros… na minha infância não havia “cães”. E todo guri tinha um cachorro, e todo cachorro tinha no seu guri o melhor amigo do mundo. E na minha infância não havia o crescer, o trabalhar… Estudar era uma imposição. “pra ser alguém na vida”… mas nós, as crianças já éramos tudo que queríamos ser. Éramos alegria, empolgação e imaginação.
As pequenas “calçadinhas” de nossas casas eram verdadeiras poltronas para as nossas conversas e risadas; que eram interrompidas pelos gritos das mães chamando para o banho e para a janta.
E antes de dormir, respirávamos as casas, os trilhos, os jogos, os amigos. Inflávamos os pulmões do ar mágico de nossa rua e nos rendíamos ao sono, que nos surpreendia sempre sorrindo.
E as vozes das casas diminuíam os trilhos e suas velocidades e seus movimentos e seus caminhos todos, de repente se aninhavam ao nosso redor para cantar algumas antigas canções de dormir.
E nossas mães desligavam nossas ruas com a promessa de novamente ligá-las magicamente no outro dia.

Esse texto foi publicado na Edição de Primavera de 2015 da REVISTA ENTREMENTES

4 Comments

  1. Não morava na localização que discrimina o texto, mas tive amigos da localidade, nos evos do decenário de 60, da centúria passada, quando estudava na Escola Técnica de Pelotas, que ficou Escola Técnica Federal de Pelotas, sendo um destes amigo o Vilson Ávila, e pela Praça 20 de setembro, pelos trilhos do trem que fazia a linha Pelotas Canguçu ou vice-versa, muitos azos fui até essa zona, e evoco que havia uma ponte onde passava o trem e era bem alta, com arcos, havendo ao lado do córrego algumas correntinas, valetões onde cresciam marias-gordas e lambaris e a gurizada lá estava pescando com sacos brancos como se fossem redes. Fazia isso quando gazeteava aulas.
    Uma ocasião convidei meu pai para conhecer o lugar e a ponte e lá fomos seguindo o caminho dos trilhos, passando pelo Lago Sonho Azul, onde hoje situa-se o residencial Colina do Sol, e passamos pelo forno do lixo no fim da rua Dr.: Amarante, avistando logo a seguir a ponte, e quando lá em cima estávamos ventava bastante, era uma época vernante, tarde ensolarada, e a ponte era estreita, feita para trem, e nos lados baixos muros, que olhando para o solo vimos lá embaixo, sorridente e feliz o famoso Judite e um menino. E o meu pai disse olha só aquilo lá! Hoje seria pedofilia. Nunca esse dia deixei cair no báratro do oblívio, porquanto foi um episódio inédito para mim, aquela situação constrangedora apenso ao meu pai e vi como um descalabro social adorado por um homem diante de um guri, um adolescente, em plena luz solar, havendo residência familiares uns metros adiante junto de algumas árvores, que não impediam a visão daquela atitude sinistra.

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  2. Não morava na localização que discrimina o texto, mas tive amigos da localidade, nos evos do decenário de 60, da centúria passada, quando estudava na Escola Técnica de Pelotas, que ficou Escola Técnica Federal de Pelotas, sendo um destes amigo o Vilson Ávila, e pela Praça 20 de setembro, pelos trilhos do trem que fazia a linha Pelotas Canguçu ou vice-versa, muitos azos fui até essa zona, e evoco que havia uma ponte onde passava o trem e era bem alta, com arcos, havendo ao lado do córrego algumas correntinas, valetões onde cresciam marias-gordas e lambaris e a gurizada lá estava pescando com sacos brancos como se fossem redes. Fazia isso quando gazeteava aulas.
    Uma ocasião convidei meu pai para conhecer o lugar e a ponte e lá fomos seguindo o caminho dos trilhos, passando pelo Lago Sonho Azul, onde hoje situa-se o residencial Colina do Sol, e passamos pelo forno do lixo no fim da rua Dr.: Amarante, avistando logo a seguir a ponte, e quando lá em cima estávamos ventava bastante, era uma época vernante, tarde ensolarada, e a ponte era estreita, feita para trem, e nos lados baixos muros, que olhando para o solo vimos lá embaixo, sorridente e feliz o famoso Judite e um menino. E o meu pai disse olha só aquilo lá! Hoje seria pedofilia.

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  3. O autor descreve sua infância carregada de genuína riqueza com valores que nenhum dinheiro poderá jamais comprar. E o faz de uma forma plenamente agradecida por aquela verdadeira riqueza. Fiquei muito sensibilizado, pois suas palavras descrevem minha própria infância de uma maneira que eu jamais conseguiria expressar. A valeta onde pegava Marias Gordas também ficava ao longo da linha férrea que hoje não existe mais, mas eu lembro da antiga geografia do lugar e de muitas pessoas que fizeram parte daquele universo, das matinês no cine São Rafael, das brincadeiras de criança e, certamente, de toda magia descrita pelo autor. Meus sinceros cumprimentos pela excelente e expressiva obra.

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  4. Ronnie Von, o nome me lembra o cantor de “a praça” que a minha mãe adorava, embora na época não tenha visto a bela figura imponente do “príncipe”. Amava pela linda canção e pela voz que ouvíamos no rádio. Mas, após muita procura, já achando que “maria gorda na valeta” era alguma invenção localizada estritamente na minha rua, eis que me deparo com esta publicação. Só falta ser alguém da minha rua, na antiga vila irmãos oliveira, hoje Rua albuquerque barros em Pelotas-RS
    vilsonavila@yahoo.com.br

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