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Era uma vez no futuro

ERA  UMA  VEZ  NO  FUTURO

Por Gilberto Silos

Jaime mal podia conter a emoção. Afinal, depois de meio século veria novamente a luz solar.

Tudo começara há cinquenta e dois anos. A ameaça de um generalizado conflito nuclear era apavorante. Os homens da ciência temiam que por vias diplomáticas não se pudesse evitar a tragédia. Numa tentativa desesperada de salvar pelo menos uma parte da humanidade, trabalhavam incansavelmente num projeto muito especial.

Em São José dos Campos, famosa pelo seu desenvolvimento tecnológico, construía-se uma pequena cidade subterrânea, protegida dos efeitos previstos daquela guerra iminente. Naquele abrigo deveriam alojar-se , talvez para sempre, pessoas previamente escolhidas. Era como que uma moderna arca de Noé.

A construção demorou dois anos. Finalmente chegara o dia. Cada um dos selecionados penetrou no abrigo-cidade, cujo nome era Fênix. Atrás de si fechavam-se, hermeticamente, pesadas portas, isolando os últimos remanescentes do gênero humano.

Naquele subterrâneo, o milagre da ciência criara a vida artificial. Oxigênio,  água, alimentos, energia, tudo  fora previsto e era gerado, inclusive proteção total contra a radioatividade.

Lá fora  o mundo desmoronava. O horror nuclear desabava sobre a Terra, apagando de sua face todos os vestígios de conquistas milenares.

Jaime era um dos privilegiados. Entrara em Fênix com dez anos de idade. A partir  de então viu pessoas envelhecerem, morrerem e serem cremadas. Crianças nasceram no abrigo, cresceram, tornaram-se adultos. Desconheciam o que era sentir na pele o gostoso calor do sol.

Jamais se deliciaram  com o agreste cheiro da terra molhada pela chuva de verão. A população de Fênix, em sua maior parte, não tinha a menor noção do que era uma florada de ipês ou a sinfonia barulhenta de pássaros na copa das árvores. Tudo era artificial.

Chegara, finalmente ,um dia muito especial. As pesadas portas seriam abertas depois de meio século. Alguém iria à superfície para fazer uma sondagem e averiguar a extensão da catástrofe, ali nas proximidades.

Jaime se oferecera como voluntário. Era uma missão de alto risco. Os cientistas prepararam-lhe uma roupa muito especial, algo parecido com uma vestimenta de astronauta, que o protegeria pelo tempo máximo de uma  hora, período considerado suficiente para fazer a sondagem.

Como um alienígena em seu próprio planeta, Jaime saiu do abrigo carregando alguns pequenos instrumentos e um rádio portátil para manter-se em contato com a sala de controle.

Ao primeiro vislumbre de claridade natural levou as mãos aos olhos, protegendo-os. Foi uma visão indescritível. Depois de tanto tempo contemplava embevecido a copa do arvoredo e o azul profundo do céu.

Não imaginava que isso ainda seria possível. Mas o que desejava mesmo era chegar até o Banhado, outrora considerado a maior área verde da cidade.

Caminhando a passos lentos foi atravessando aquele monte de escombros, onde  cinquenta anos atrás existira São José dos Campos.

Aquela vestimenta passou a incomodá-lo. Queria sentir os raios solares na pele. Ansiava por respirar profundamente a vida da Terra.

Pelo rádio comunicou que iria livrar-se daquela roupa. Os cientistas advertiram-no severamente:

– Você está ficando louco! Quer se contaminar e morrer ? Se  o fizer não poderá regressar ao abrigo.

Ignorando aqueles apelos,  Jaime continuou a caminhar. Finalmente chegou à orla do Banhado. Uma grande surpresa o aguardava. A natureza conseguira sobreviver à loucura dos homens. Naquele local crescia uma vegetação luxuriante, um mar verde pontilhado de flores multicoloridas.

Extasiado com aquele milagre, Jaime sentou-se despreocupadamente. Vieram-lhe recordações de sua infância. Imagens dos tempos em que no Banhado plantações conviviam com bois e no fundo deslizava preguiçosamente o rio Paraíba.

O prazo de uma hora já se esgotara. Pelo rádio vinham apelos frenéticos. Jaime, porém, os ignorava, pois tendo se livrado da roupa que o protegia, resolvera não mais voltar. Acionando o aparelho, comunicou sua decisão. E, atirando o rádio ao lado, rompeu definitivamente seu vínculo com Fênix. Decidira ficar ali mesmo, embora sabendo que seus dias seriam breves. A sedução da natureza fora mais forte que o próprio instinto de sobrevivência. Era primavera em São José dos Campos.

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