Eles precisavam de olhos. E cérebro. Os outros pediam tinta. Tinta e palavra. Frase. Texto.
Não gostavam de pausas. De paradas. Preferiam o contínuo. Mas o corpo era fraco. A carne. Esta pedira água. E álcool. E festa e som e sol. A carcaça exigira os prazeres do nada. Nada a fazer, nada a pensar. Ócio. Corpo à deriva no ócio. Mas agora era diferente. Muito tempo. Nas estantes da biblioteca. Selvagens os livros gritavam e urravam. Os cadernos batiam páginas assustadoramente brancas.
Os textos decretavam que olhos deviam ser abertos. Precisavam do brilho. Vampiros. Sugavam o brilho dos olhos. Viviam destas luminosidades. E os livros não são dóceis. Até morrem, mas orgulhos, fechados em seus segredos e linhas.
Mas ele não queria que morressem. Tinha uma certa relação com eles. Carne e papel. Corpos diferentes que se agenciavam. Metamorfoseavam. O problema é que os livros eram insaciáveis. O corpo falível, cansado e incerto. Todo corpo era incerto.
No telefone celular a convocação para a reunião. Todos os corpos juntos. Para o começo. Novamente o começo. Meio.
Mas se parasse para pensar. Sentia que já estava na hora. O ócio também cansa. Chateia. Irrita. As festas também entendiam, as cervejas estufam o corpo. A televisão dociliza os olhos. As conversas “fiadas” se esgotam e tornam-se pregos na boca. Dolorosas e repetitivas.
O regozijo dos livros. O mergulho no mar de traças. As tosses insistentes. As leituras indecifráveis. Os debates calorosos. As aulas cansativas. O café bebido como salvação para uma situação deveras complicada.
Apenas um paço para a outra dimensão. A dimensão do trabalho. O capital é exigente. A produção. O corpo deve produzir, mostrar que é produtivo é imprescindível neste mundo. Em breve os horários. E suas dificuldades. Em breve os ônibus e as portas das escolas. Em breve as pastas e mochilas. Em breve os passos sobre os mesmos passos sobre os mesmos caminhos que levam e trazem. Buscar a diferença no mesmo. O singular. Abrir um novo caminho no mesmo. Possibilidade? Necessidade.
As outras vozes. Parcerias. De tempos e lugares distantes. Todas em agenciamento produzindo outra voz. Diversidade. Multiplicidade. Voz coletiva.
Havia um rio e o sol e a areia que se afastavam. Lentamente. Um verão que começava a se desvanecer. Não era uma questão de alegria ou tristeza, luz e sombra. As dicotomias eram para os simplórios. Era, talvez, esse oscilar necessário do corpo que ao atravessar as dimensões de suas próprias sensações tremia em relação à possibilidade do inusitado advinda do tempo por vir.
Ronie Martins