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Refeição

 

   

<< Refeição >> (de Milton Filho, por Jorge Xerxes) é derivada da arte culinária, uma tentativa de disposição alternativa dos ingredientes de << Nacos >>, livro de poesias, Milton Filho, 168pp., ISBN: 978-989-52-1240-8, Chiado Editora, 2017. Uma experiência de ressignificação dos sabores num prato balanceado dos nutrientes – carboidratos, sais minerais e proteína humana. O equilíbrio proposto nessa síntese, porém, é uma farsa. Porque tudo é movimento quando se trata de alimentar as ideias. Tudo flui, é mastigado, é digerido, é excretado. Mas a essência, a essência é a mesma. A quintessência: << Luz >> intangível. Estamos distantes de apalpá-la.

   

<< Refeição >>

de Milton Filho, por Jorge Xerxes

   

Não componho poemas, poesias e

Todas essas delicadezas que, vez ou outra,

Me rodeiam.

São elas que transitam em mim,

Abrindo a alma e a face em sulcos profundos.

À maneira das serpentes,

Rastejamos sinuosamente,

A diferença é que

Fazemos isso na vertical.

Morremos à mingua de nós mesmos.

Nada obstante, sou muito grato

A essas dores, elas me colocam

Diante dos degraus e me obrigam à subida.

E tudo ilude o homem atento

Porque a chave deste mundo

É essa dor que bem dentro sinto.

Não se dar conta do que é,

Eis o maior dos constrangimentos.

Há nisso uma filosofia para incendiários.

Quando digo te amo,

Sou incêndio me consumindo.

Imenso e sem fim,

Sem água e no resto de suas forças.

As estrelas expiam por nós,

Enquanto observamos a noite.

Um coração de látex resistente às ironias

E traições várias.

As ilusões exigem um corpo

A prova de bala.

Há poemas que não podem de jeito nenhum

Serem escritos ou mesmo declamados,

Simplesmente não podem.

Entender um poema

É entender um pouco de si mesmo

E isso, absolutamente, não é para qualquer um.

Temos essa indisfarçável inveja dos animais.

Das cobras não direi muito.

Elas não voam, mas nós já pousamos na lua.

Mas os dias são navalhas discretas,

Bem amoladas

E vão cortando fundo sem que se perceba.

Somos uns fundamentalistas

Abarrotados de ceras nos ouvidos.

Sim, o poema te emprenha pela nuca,

De surpresa, em qualquer posição,

Mesmo sentado numa rústica cadeira

Ou tomando um café da manhã.

Ao lado do teu cônjuge,

Uma sutil traição, que ninguém liga,

E redesenha esse triângulo de lados desiguais.

O poema te ama e te esquece

Com a mesma facilidade

Que tu, na estante, o abandonas.

O mundo agora é pequeno, querido Drummond,

Embora sua poesia continue maior.

Não é todo mundo que tem essa coragem,

Aliás, amar sempre foi uma coisa dificílima.

A morte virá e,

Segundo o mundo quântico,

Segundo Einstein,

Já aconteceu e nem percebi.

Agora topo em uma pedra e, enquanto sangro,

Agradeço e peço desculpas por importunar

O belo exercício solitário daquele cascalho.

Como é próprio das nuvens lindas e pequeninas.

Mas hoje chorei e foi muito bom chorar, desaguar as artérias,

O derramar sobre si mesmo esse tipo de mimo.

O que resulta dessa poesia,

Se for assim tão linda,

É essa esmola de ficar contente.

Sofrendo feliz a dor de parir cada vão momento,

Pelas frestas, fendas, deste que se dá.

Página por página e cada livro composto é um Milton

Que não existe mais.

Por que não haveria um poeta compondo o mundo,

Esta poesia intraduzível?

Mas não eu, que não sou outra coisa senão um poeta

Que desconfia,

Com grande margem de acerto, não ser um poeta.

Minha filosofia é morrer para o sentido

Das coisas que não há sentido algum

Ou gentil, te aguarda nas estantes, se teu cérebro soluça

Na imaturidade.

Sobre a pedra fria em forma de cruz.

A poesia me sugere alguns caminhos

E isso, de certa forma, me faz querer ser melhor.

Pelo sim e pelo não,

Vou manter minha postura de educado.

Mas antes que a morte me leve,

Vou tirar algumas dúvidas.

A este corpo prometido aos vermes.

Sob o sol causticante das ideias.

Iluminando o resto claudicante do meu pensamento.

Com o coração pejado de amor e dívidas.

Nem mesmo toda a força

De um belo nariz adunco.

Nada pode garantir que amanhã mesmo

Eu não esteja mais aqui.

Não amamos a altura de sua graça.

Trincamos em punhos como frágeis pugilistas.

Com outras mil faces em cada folha

E um espírito arteiro colorindo cada letra.

Este cisco nos meus olhos

Arranca algumas lágrimas e todos irão pensar

Que ando triste e choro…

Se morro feliz ou não

É um outro texto.

De qualquer modo,

Este poema ainda não sei construir.

Este, por exemplo, estende a mão

Embora um aperto de mão, um abraço,

Esteja um pouco difícil nos tempos de hoje.

Mas, por timidez, deixo as mãos nos bolsos.

Risque a atmosfera cintilante.

Asas fazendo um cafuné em pleno ar.

Poesia não voa, é a febre que te ergue no espaço,

Sempre me esforço por lembrar.

Entregues ao mundo, nós a perdemos.

O que vês aqui, amor ou medo?

Sabes que és tu em qualquer escolha.

Teus olhos, uma espoleta

Disparando infinitas imagens,

A umidade de tuas retinas.

A depender da forja,

Da distância do seu fundo,

Da competência de criar um mundo.

Ah… esses poemas não podem ser capturados

Com míseras palavras.

Como escolher os mais belos paralelepípedos.

Denunciando o atropelamento de um poema distraído.

Ou dizendo, curto e gentilmente, siga.

Não sofra minhas fantasias infantis,

Porque meus poemas

São exatamente isso,

Ilusões, quimeras, fábulas de criança.

Cristais reverberando

Esta humilíssima poesia.

Nada obstante, move as plantas dos teus pés

Em direção ao outro que caminha também sem rumo e sem raiz.

Mas, em algum momento desses onde tudo calha,

Nos abismos da lucidez.

   

https://jorgexerxes.wordpress.com/

   

 

2 Comments

    1. Author

      Oi Beth, legal que Você gostou : )

      Todo o mérito do Milton Filho, esse Poeta!

      Um Beijo!

      Reply

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