Zero: A proposta deste texto é a simples transcrição de trechos especialmente selecionados a partir da releitura do livro “Alquimia da Mente” de Hermínio Corrêa de Miranda, Terceira Edição, Editora 3 de Outubro, 2010. O livro eu adquiri e li em dezembro de 2011, quando morava em São Carlos – SP. À época foi-me uma leitura muito útil. Agora, às vésperas do primeiro equinócio de 2018, eu torno a revisitá-lo e decidi compartilhar destes fragmentos do livro original, à medida que vou realizando a leitura. Este é, portanto, um processo dinâmico. Entendam que ainda estou trabalhando no material enquanto ainda observam ao fim do texto o Infinito. Espero fazer atualizações diárias, se assim for permitido. Eu espero, um dia, chegar ao Fim.
Um: “Os sentidos,” – lê-se em A Grande Síntese (p. 17) – “que muito bem vos servem para os vossos objetivos imediatos, mal esfloram a superfície das coisas e essa incapacidade deles para penetrar a essência vós a sentis.” E mais adiante: “A utilização dos sentidos como instrumentos de pesquisa, embora com o auxílio de meios apropriados, vos fará permanecer sempre na superfície, trancando-vos a via do progresso.”
Dois: Não há, pois, uma comprovação aceitável, do ponto de vista da ciência contemporânea, para a doutrina ou teoria da reencarnação, menos ainda para a da sobrevivência do ser e, muito menos que isso, para a imortalidade. Sem lamentar-se ou acusar gente ou instituições científicas, Teilhard de Chardin limita-se a escrever, em O Fenômeno Humano, o óbvio, que nem por isso deixa de ser contundente, ao declarar que tais aspectos fazem parte de “um problema que a ciência decidiu ignorar provisoriamente” (p. 43). Anteriormente (p. 10), lamentara da mesma maneira educada a tendência do pesquisador “em não aceitar do homem, como objetivo da ciência, senão o seu corpo”.
Três: É o seguinte: este livro cuida de uma complexa temática, explora aspectos ainda controvertidos da mente, busca apoios em numerosos autores antigos e mais recentes e propõe algumas hipóteses que possam, eventualmente, contribuir para melhor entendimento do ser humano como um todo e não apenas como um engenhoso mecanismo cibernético no campo da biologia. O corpo físico precisa ser transcendido – não ignorado ou abandonado – para que possamos alcançar contexto mais amplo, onde vamos necessitar de informações que não se encontram nos limites da matéria que o compõe. Em poucas palavras: precisamos da realidade espiritual. Quer essa realidade seja tomada como crença, hipótese, teoria, convicção, formulação mística ou o que seja; ela é exigida pelo modelo com o qual temos de trabalhar, ou a discussão suscitada no livro não faria o menor sentido.
Quatro: “Para começar com uma definição para os termos: consciência e vida são idênticas, dois nomes para uma só coisa quando considerada de dentro ou de fora. Não há vida sem consciência: não há consciência sem vida” (p. 25). Já vimos, em rápidas tomadas de seu texto, que Annie Besant identifica um componente psíquico em qualquer partícula material, até mesmo na matéria considerada inerte. Apoio para essa postura ela encontra nas pesquisas científicas do professor Chandra Bose, de Calcutá, sobre a resposta ao estímulo por parte da chamada matéria inorgânica. “Um germe de psiquismo” – lê-se em A Grande Síntese (p. 197) – “já existe, conforme vimos, na complexa estrutura cinética dos motos vorticosos.” No entender do autor desse livro, as condições para que a vida seja eventualmente criada e daí passe a cuidar de sua própria expansão consciencial começa com um movimento que envolve certas partículas em vórtices embrionariamente individualizados. É a sua “teoria cinética da origem da vida” (p 162). Matéria e espírito constituiriam, portanto, partes inseparáveis de uma “dualidade que se manifesta no tempo e no espaço”, dado que uma não existe sem o outro.
Cinco: Por outro lado, ao mesmo tempo em que a matéria mais densa constitui instrumento do trabalho, ela nos mantém acorrentados ao contexto espaço-tempo para o necessário aprendizado. A duração desse aprisionamento depende exclusivamente do ritmo pessoal que cada um de nós imprime ao seu processo de maturação. “Essa terra, discípulo, é a sala da tristeza” – lê-se em A Voz do Silêncio (tradução de Helena Blavastky, para o inglês e desta para o português, por Fernando Pessoa, Civilização Brasileira, 1969, Rio) – “onde existem, pelo caminho das duras provações, armadilhas para prender o teu Eu na ilusão chamada ‘a grande heresia’.” O universo objetivo é “a grande ilusão”, à qual se acopla a “ilusão da personalidade”, ao passo que “a grande heresia” é a de que a alma – que os espíritos conceituam como espírito encarnado – é algo separado do “Ser universal, uno e infinito”. Por isso, escreve Besant (p. 31) que, ao nos convencermos de nossa integração no todo, “a matéria não mais terá poder algum sobre nós, dado que a contemplaremos como irrealidade que ela, de fato, é”. Integração, contudo, é tradução inadequada para o termo inglês, oneness, adjetivação de one, ou seja, o número um, a unidade, a unicidade. Mais uma vez podemos ver a perfeita colocação de Cristo, ao declarar: “Eu e o Pai somos um”, não para significar que ele também é Deus, igual a Deus, mas que em Deus ele estava integrado. A matéria não exercia sobre ele nenhum poder residual, nenhuma restrição sobre sua liberdade, nenhum fascínio sobre sua mente.
Seis: Esses seres mais atentos ao processo evolutivo teriam, provavelmente, desenvolvido melhor capacidade de manipular a matéria densa, sem se deixarem envolver e paralisar por ela, ou fascinar pelas mordomias que ela proporciona. Mas por que o engodo? – perguntaríamos. Por que não eliminar o processo evolutivo os ardis e atrativos da matéria, a fim de que o ser espiritual adquira logo o conhecimento de que necessita, sem comprometer-se inapelavelmente com ela? Não creio que alguns de nós tenhamos procuração do Criador para responder a essa questão. Não é difícil, contudo, imaginar as razões. Em primeiro lugar porque, juntamente com as primeiras manifestações da consciência, veio o privilégio responsável do livre-arbítrio, sem o qual a criatura não teria nem o mérito dos seus acertos nem a responsabilidade dos seus erros. Em segundo lugar, porque a dificuldade do aprendizado está sempre na razão direta da sua importância e significado para qualquer ser vivo, mesmo porque a vida oferece crescente complexidade para aquele que se apresenta disposto a decifrar os seus enigmas. Ela não se nega a servir de objeto de aprendizado, pelo contrário se oferece a isso, mas exige muito daquele que se aproxima para estudá-la.
Sete: A muito comentada separação ou dualidade é meramente operacional, não em essência. Em outras palavras, a parcela encarnada não se separa do todo, apenas fica imersa, por uma ponta, num plano vibratório diferente, para não dizer inferior. O Dr. Gustave Geley adverte para esse aspecto a fim de não se criar a imagem incorreta da convivência de dois seres, duas personalidades, numa só entidade espiritual em processo evolutivo. Eis por que tenho manifestado certo desconforto com o termo inconsciente para caracterizar a atividade mental que se põe fora do alcance da consciência de vigília. Entendo que qualquer atividade mental tem de ser, necessariamente, consciente, mesmo em nível não habitual de percepção.
Oito: Está certo, pois, Aksakof quando distingue com nitidez uma consciência interior – a que ele chama de alma individual – e outra exterior, que ele considera sensorial e a Sra. Besant, cerebral. A rigor, portanto, não há áreas inconscientes no ser humano. Ao contrário, até o campo da consciência pessoal externa está sob o controle de outra consciência oculta, como um mecanismo auxiliar que funciona acoplado à unidade central da consciência interior e sob suas ordens programáticas. Paradoxalmente, contudo, a consciência externa precisa dispor de margem de manobra para o exercício de seu livre arbítrio; do contrário, não teria como aprender as lições que veio estudar, ao mergulhar na matéria densa, a primeira das quais é saber decidir, ou seja, escolher, escolher sempre, um caminho entre tantos outros, entre bem e mal. Não é, pois, de admirar-se que, como o cavalo bravio e rebelde, a personalidade possa tomar o freio nos dentes e praticamente emancipar-se da tutela silenciosa da individualidade. Ela se vale do programa, que já está gravado na sua memória operacional para fazer o que entende e não aquilo que a individualidade deseja que seja feito. Há, portanto, nesse caso, um conflito de programações, ou, no mínimo, de objetivos. A individualidade está interessada em objetivos a longo prazo e quanto mais cedo chegar a eles, melhor, ao passo que a personalidade prefere ficar brincando pelos caminhos, como assinala Besant, fixada no imediatismo sedutor do prazer, fascinada pelo exercício de poder, embevecida na contemplação narcisista de sua própria imagem, encantada com o seu falso brilho social ou cultural. A essa altura a personalidade já se confundiu com o corpo físico perecível, ao qual transfere todas as suas aspirações e do qual exige todas as satisfações. Essas “criancices”, mais ou menos irresponsáveis, podem consumir faixa larga de tempo, não só porque a personalidade deixou de realizar o aprendizado e o conseqüente processo da maturação espiritual, como ainda cria condições negativas que a retém no passado, obrigando-a a voltar sobre seus passos, a fim de corrigir, reparar, reconstruir refazer aspectos que já poderiam estar consolidados na experiência cumulativa de suas vivências, na carne ou fora dela. Desnecessário, portanto, enfatizar a importância transcendental de um conhecimento mais profundo da interface personalidade / individualidade, consciência exterior / consciência interior.
Nove: A face dita objetiva das coisas que nos cercam e que constituem o próprio corpo físico de que somos dotados é uma projeção da realidade invisível que está dentro de cada partícula material. “O atomismo” – insiste Chardin – “é uma propriedade comum ao dentro e ao fora das coisas” (p. 39). No fundo, são uma só realidade, com duas faces, uma externa, outra interna, duas manifestações vibratórias diferentes da energia. “Ligar entre si de maneira coerente as duas energias do corpo e da alma” – escreve ele (p. 43) – “eis um problema que a ciência decidiu ignorar provisoriamente.” É bem verdade que o fenômeno da vida propriamente dita “começa com a célula” – ensina ele, mais adiante (p. 63) –, mas o psiquismo já estava na partícula, é da essência dela. Ele não hesita em conceituar o dentro da partícula como consciência. Em nota de rodapé a essa mesma página, esclarece que o termo consciência “é tomado na sua acepção mais geral, para designar qualquer espécie de psiquismo, desde as formas mais rudimentares de percepção interior que se possam conceber até ao fenômeno humano do conhecimento reflexivo”. A célula é, portanto, uma partícula de vida que, a seu ver, “mergulha quantitativamente e qualitativamente, no mundo dos edifícios químicos”. Ela é o tijolo de toda essa arquitetura biológica. Embora conservando sua individualidade, ela se entrega para que o organismo tenha a sua vez, sacrificando-se, portanto, ao todo. E leva consigo, para onde quer que vá, o seu conteúdo psíquico, através do qual mantém intercâmbio com o psiquismo global do ser maior. Inicia-se com ela a grande jornada rumo à unicidade, à total conscientização do universo, desde as primeiras colônias celulares que começam a especializar-se nesta ou naquela função, até as comunidades intergalácticas, passando pela família, pelas nações, as tribos, as comunidades, os povos e os mundos. É “o esforço da matéria para se organizar”. O mesmo conceito está consagrado em A Grande Síntese, na qual se lê (p. 77): “Toda individualidade resulta de individualidades menores que, ao seu turno, são agregados de outras individualidades ainda menores, até o infinito negativo, e é, por sua vez, elemento constitutivo de individualidades maiores, até o infinito positivo”.
Dez: Há, portanto, um encadeamento inexorável, do átomo às galáxias, dos primeiros ensaios do psiquismo até a superconsciência dos que já se fizeram um com a Divindade. Trata-se, pois, de um projeto global de gigantescas proporções e complexidades. Por isso, entende Chardin que a ciência marca passo neste momento porque “os espíritos hesitam em reconhecer que há uma orientação precisa e um eixo privilegiado de evolução” (p. 142). A progressiva conscientização da vida é processo irreversível desse projeto cósmico. Para isso, a vida mergulha tão fundo na matéria densa, como que buscando arrastá-la consigo, aos mais elevados patamares evolutivos.
Onze: “O ser humano” – ensina Besant, à página 115 – “é o microcosmo do universo e seu corpo serve de campo evolutivo para miríades de consciências menos evoluídas do que ele”. “Cada célula – reitera-se adiante (p. 204) – tem a sua pequenina consciência” em permanente intercâmbio com todo o organismo. E mais: “Uma consciência coletiva mais elevada lhe dirige o funcionamento”. De outra maneira, a mente central do ser não teria como gerir o complexo celular que lhe serve de corpo físico.
Doze: Há, contudo, outras implicações de considerável importância na visão da Dra. Besant. A primeira delas é a de que toda a criação está, mais do que ligada, contida no âmbito da consciência divina, dado que há uma impossibilidade filosófica de existir alguma coisa que não tenha sido criada pela Inteligência Suprema e que nela exista e se movimente, como intuiu Paulo de Tarso. André Luiz compara a humanidade a “peixes num oceano” de energia cósmica luminosa. Isso nos leva à conclusão de que a conscientização progressiva de que todos esses autores nos falam vai ampliando gradativamente em cada um de nós a capacidade de acessar e expressar a realidade cósmica.
Treze: A autora chama a atenção para o fato de que, no estágio evolutivo do animal, há “uma atividade muito mais intensa de parte da consciência situada no plano astral, o que resulta em mais poderosas vibrações, que passam para o duplo etérico do animal, e daí suscitam a criação de um sistema nervoso”. Estaríamos, com esse conceito, praticamente resgatando do esquecimento a debatida teoria lamarquiana, segundo a qual a função – fator imponderável, certamente mental – cria o órgão, ou seja, seu mecanismo de expressão. É precisamente isso que diz Besant, ao informar que o trabalho construtor da consciência realiza-se no plano a que ela denomina astral e que, posteriormente, se traduz no plano físico, “pelos esforços da consciência em expressar-se” (p.118).
Quatorze: O elemento primordial, que Emmanuel vê como “matéria amorfa e viscosa… celeiro sagrado das sementes da vida”, a partir do protoplasma, como “embrião de todas as organizações do globo terrestre” (A Caminho da Luz, p. 22), J. B. S. Haldane, apud Lyall Watson, em Lifetide, p. 35 – caracteriza como uma espécie de “sopa primeva” de moléculas, que funcionou como “berço da vida”. Para André Luiz, em Evolução em Dois Mundos, a “sopa primeva” de Haldane é “plasma divino, hausto do Criador ou força nervosa do Todo-Sábio”, e acrescenta: “Nesse elemento primordial, vivem e vibram constelações e sóis, mundos e seres, como peixes no oceano” (p. 19).
Quinze: “Os cromossomos, estruturados em grânulos infinitesimais de natureza fisiopsicossomática, partilham do corpo físico pelo núcleo da célula em que se mantêm e do corpo espiritual pelo citoplasma em que se implantam”. Do que se depreende que cada célula dispõe de seu próprio sistema de interface, no qual a matéria está representada no núcleo e o espírito, no citoplasma.
Dezesseis: Mesmo assim, há insights dignos de toda a atenção. Exemplo (p. 219): ao declarar o protoplasma como elemento de ligação entre os átomos de um lado e o espírito, de outro. André Luiz apenas modificaria o texto para fazê-lo dizer que a ligação com os átomos, ainda que no âmbito da célula, é feita pelo núcleo, ficando a cargo do citoplasma as “negociações” com a realidade espiritual. Seja como for, ao referir-se à dicotomia matéria/espírito, Sinnott considera o protoplasma essencial ao esquema de interpretação da realidade transcendente na matéria. “A matéria viva – ensina (p. 132) – o protoplasma, base física da vida – é o ponto onde os dois se encontram face a face”.
Dezessete: Enquanto os antigos falavam da “alma da terra”, Lovelock desenvolveu nova abordagem na sua engenhosa e criativa “hipótese Gaia”, termo este que foi buscar no grego (ge = terra), segundo a qual o planeta em que vivemos é um organismo vivo, em processo de homeostase (equilíbrio sistêmico). A terra dispõe de seus próprios mecanismos de auto-regulagem, bastante perturbados hoje pela desastrada interferência do que costumamos chamar de civilização. Como não poderia deixar de ser, a humanidade integra, convive e interage com esse sistema, mas ainda não está claro para a ciência qual o seu verdadeiro papel nele. Para uns, a humanidade seria uma espécie de “vasto sistema nervoso, um cérebro global, no qual cada um de nós seria uma célula individual” (The Global Brain, Peter Russell, p. 31).
Dezoito: Ao lamentar o equívoco de persistir a ciência “no encalço das… sensações” e, portanto, “circunscrita como num cárcere”, menciona o autor espiritual de A Grande Síntese (p. 23) aquela parte do nosso ser que se encontra “mergulhada na treva”, ao passo que ele, autor, se acha “no outro pólo do ser, no extremo oposto em que vos achais: vós, racionalistas, sois análise; eu, intuitivo (contemplação, visão), sou síntese” (p. 27). Russell entende essa modalidade de alienação como um modelo desenvolvido para abrigar o conceito de que somos seres “encapsulados na pele”, em vez de entender “a unidade de toda a criação” (p. 151). Willis Harman, apud Peter Russell, prega uma nova “revolução copernicana” na visão filosófica, com o objetivo de “inverter o modelo egocêntrico” em proveito de uma órbita em torno do “ser puro”. Por isso diz o autor espiritual de A Grande Síntese que o modelo de raciocínio lógico-dedutivo está esgotado e, portanto, estéril, ao passo que se desenha a etapa criativa da intuição. Isso não significa que a individualidade aniquilaria, por sufocação, a personalidade, mas certamente a poria no seu devido lugar, mudando radicalmente o enfoque do ser perante a vida e o universo, preservando, dentro de bem definidos limites, a autonomia desta última para atuar no contexto que lhe é próprio, ou seja, no plano da matéria densa, segundo um racional (este sim) modelo de “hierarquia das necessidades”, como conceituado por Abraham Maslow, apud Russell (p. 204). Só então, assumindo o comando da situação, a individualidade poderá trazer para a personalidade e para o mundo como um todo a sua contribuição de conhecimento… A partir desse ponto evolutivo, teremos condição de não apenas entender o universo como um todo, mas estaremos conscientes de que cada um de nós tem acesso a esse todo, somos esse todo.
Dezenove: Consultado a despeito desses e de outros aspectos da pesquisa de Backster, o Dr. Howard Miller, de New Jersey opinou no sentido de que há uma espécie de “consciência celular” comum a todas as manifestações da vida. Rogo ao leitor que se lembre bem dessa hipótese, porque a retomaremos mais adiante, tentando demonstrar a realidade desse mecanismo de comunicação universal, que de muitos milênios antecedeu a invenção da palavra falada, a partir, primeiro de gestos e posturas corporais, e depois, de grunhidos, gemidos, exclamações, para chegar-se ao patamar da palavra falada, e, ainda mais tarde, ao pictograma e, finalmente, à escrita, por meio de uma quarta ou quinta geração de símbolos… O trabalho de Backster sugere a existência de “uma forma primária de comunicação instantânea entre todas as coisas vivas e que transcende as leis físicas conhecidas”. Mais que isso, porém, Tompkins e Bird (p. 27) acolhem a hipótese de que além de se perceber “uma espécie de memória” em cada célula, é bem provável que o cérebro seja apenas algo como um painel de controle, e “não necessariamente um órgão de memorização”. Por mais desvairada que possa parecer, a hipótese me é simpática e não difere substancialmente do conceito formulado pela Dra. Annie Besant, como vimos, segundo a qual os eventos, mesmo aqueles que nós próprios vivemos, ficam guardados na memória cósmica e não em nossos arquivos pessoais. Ou seja, nossa história evolutiva se documenta naquela pequena “área” que cada um de nós ocupa na imensidão do universo, ou então estaríamos nós e as nossas lembranças como que fora da memória de Deus, hipótese incoerente com o princípio de que o universo – holográfico, não nos esqueçamos – é um pensamento de Deus.
Vinte: Poderíamos dizer a coisa de outra maneira, ao propor que, mesmo nos seres vivos mais rudimentares como as plantas, funcionam terminais de uma central única de processamento à qual todos têm um nível de acesso compatível com a sua potência mental específica. Há, portanto, em cada célula um programa que lhe permite não apenas trabalhar articuladamente com as demais de qualquer comunidade celular, como acessar o mínimo de informação que lhe permita desempenhar sua tarefa na imensa orquestração cósmica.
Vinte e um: Por isso tudo, diria dele (Dr. Chandra Bose), mais tarde, o veterano Times, de Londres, que, enquanto na Europa ainda predominava um “rude empirismo de vida bárbara”, vinha aquele sutil oriental ensinar que o universo é uma síntese e que ele “via a unidade em todas as suas manifestações mutáveis” (p. 114). Antecipando algumas décadas o conceito do universo holográfico, ele insistia em dizer que “toda a natureza é pulsante de vida” e está pronta a revelar incríveis segredos, bastando para isso que o homem aprenda a comunicar-se com as inúmeras manifestações. Também ele achava, portanto, que “o que está embaixo é igual ao que está acima”, e que a mais insignificante partícula é um retrato vivo do cosmos, tanto quanto a célula traz em si mesma toda a programação genética do ser cuja manifestação biológica ela integra.
Vinte e dois: “O germe do psiquismo” – diz A Grande Síntese (p. 183) – “há descido do céu, como um fulgor, às vísceras da matéria, que o apertou em seu seio, num amplexo profundo, envolvendo-o, dando-lhe, tirado de si mesma, um corpo, uma veste, a forma de sua manifestação concreta”. A Grande Síntese (p. 175) coloca a “eletricidade globular” como “primeira organização de um sistema de vórtices, com uma especialização embrionária de funções. Daí nascerá a primeira célula.”
Vinte e três: O mesmo Hauschka, de quem vínhamos falando ainda há pouco, explica o aparente paradoxo da homeopatia, segundo a qual, quanto mais diluídos os elementos básicos utilizados na medicação, mais potente o efeito deles. Isso é coerente com a sua hipótese de que a matéria é uma cristalização ou condensação de energia cósmica e, portanto, quanto mais liberada do seu envolvimento ou aprisionamento nas malhas materiais, mais poderosa se torna (p. 335). Ele vai além disso, ao propor que parte do segredo de Hahnemann com a medicação homeopática estaria no rigoroso processo de manipulação, dado que o ritmo “matemático” da agitação por ele prescrita produziria o mesmo efeito que se observa nos seres humanos que, em danças rítmicas, conseguem liberar o espírito da prisão corporal (p. 335). Paracelso, como Hipócrates, antes dele, e como Hahnemann, depois, propunha a doutrina das “semelhanças simpáticas”, ou seja, certa sintonia vibracional entre plantas e seres humanos (ou animais) capaz de restabelecer harmonias psicossomáticas e, em conseqüência, reverter um quadro mórbido em saúde. Hahnemann redescobriu esse mesmo princípio, segundo o qual “semelhante cura o semelhante”. Aliás, em comunicação mediúnica transmitida por intermédio da Sra. W. Krell, em Bordeaux, em março de 1875, o criador da homeopatia assinou-se Hahnemann, autrefois Paracelse, ou seja, identificou-se, ele próprio, em encarnação precedente, como Paracelso.
Vinte e quatro: Alguns dos seus princípios fundamentais (de Edward Bach) estão expostos em Heal Thyself (Cure-se a si mesmo), publicado originariamente em 1931. Havia para ele algumas verdades ignoradas, a primeira das quais informa que o ser humano é, essencialmente, uma alma, centelha divina, “invencível e imortal”. A segunda, a de que nos apresentamos no mundo como “personalidades, aqui colocadas com o propósito de obter todo o conhecimento e experiência” disponíveis. A terceira verdade é a de que o curto estágio na terra é apenas um período letivo em nossa trajetória evolutiva. O quarto princípio diz respeito à interação individualidade / personalidade. Se a relação for harmoniosa, seremos felizes e, conseqüentemente, saudáveis; do contrário, cria-se um profundo conflito que suscita a doença. O estabelecimento da saúde, portanto, consiste em realinhar personalidade e individualidade. Outro conceito que, segundo ele, precisamos ter sempre em mente é o da “unidade de todas as coisas” num contexto cósmico em que o amor é o grande e único princípio criador universal. Suas intermináveis meditações levaram-no à identificação de alguns sentimentos negativos como principais responsáveis pela desarmonia a que costumamos chamar doenças. Um deles, o primeiro, era o orgulho. Seguiam-se a crueldade, o ódio, a ignorância, a instabilidade, a indecisão, a fraqueza de propósito e a ambição. Em muitos desses estados mentais e emocionais, ele identificava uma atitude de “negação de unidade de todas as coisas”. Na realidade, a causa básica de todas as doenças era, a seu ver, o egoísmo que, em última análise, iria bater sempre no seu princípio fundamental, o da desarmônica interação personalidade / individualidade. Era preciso, portanto, substituir a lista de impulsos negativos por outra de atitudes positivas vitalizadas pelo amor.
Vinte e cinco: De início, chama atenção para o fato de que as características principais da inteligência animal são comuns e que raras são as pessoas que não as tenham observado. Habitualmente, contudo, não nos damos conta de que essas “humildes manifestações representam sentimentos, associações de ideias, inferências e deduções, ou seja, todo um esforço intelectual absolutamente humano”. Isso nos leva a supor toda uma estrutura de conhecimento aos quais os animais ditos irracionais têm acesso como nós temos. A dificuldade não estaria tanto em acessar tais conhecimentos, que são universais e se encontram à disposição de todos os seres vivos; o problema reside mais em comunicar aos demais seres aquilo que cada um de nós – plantas, animais ou gente – encontrou nos livros imensos e inescritos da vida cósmica. Maeterlinck parece pensar de maneira semelhante e o expressa com elegância e precisão indesejáveis, ao dizer que os cavalos de Karl Krall se encontram, em relação a outros animais, num plano onde estaria o ser humano que conseguisse viver num nível subliminal elevado. Nesse ponto, prossegue o autor, “a inteligência, que é a nossa letargia e que nos mantém cativos, ao fundo de uma pequena concavidade de tempo e espaço, seria substituída pela intuição ou, antes, por uma espécie de sabedoria imanente que, sem esforço, nos faria partilhar de tudo o que sabe o universo que, talvez, saiba tudo” (p. 241).
Vinte e seis: Isso parece indicar que o hemisfério (cerebral) esquerdo, verbal, consciente, é território onde se implantam as raízes da personalidade, dotada pelos mecanismos da evolução para lidar com os problemas do dia-a-dia no lado material da vida, entre os quais avulta, certamente, o da comunicação verbal com os demais seres no ambiente em que vive. Ficaria, pois, o lado direito (do cérebro), não verbal, espacial, dotado para a apreciação de aspectos imaterial como a música e reservado para as tomadas da individualidade que, pela outra ponta, estaria conectada com a realidade invisível, à qual tem acesso como se demonstra com as experiências de visão cósmica. Considero incorreto, não obstante, catalogar a atividade desenvolvida com apoio no lado direito como inconsciente. Ela é tão consciente (ou mais) do que a que se desenrola à esquerda; o acesso do pensamento dito consciente a ela é que é difícil. Não há dúvida, porém, de que constituem as duas um todo operativo, entregues a uma interação que pode não ser claramente percebida pela chamada consciência de vigília, mas que ali está presente, atuante, consciente e responsável. Uma delas – a esquerda – se ocupa do imediato, das coisas do mundo, da sobrevivência física do ser, ao passo que a outra – a direita – está programada para as tarefas que promovem, a longuíssimo prazo, os objetivos finais do processo evolutivo. Uma, portanto, dedica-se à transitoriedade e outra à permanência, uma a estar, outra ao ser, uma constitui o que os instrutores do Prof. Kardec caracterizavam como o espírito; a outra é território da alma, ou seja, o ser encarnado. Aquela continua como que pairando sobre a matéria, mergulhando nela apenas alguns aspectos sensores instalados no corpo espiritual e, por conseguinte, no corpo físico. Isso parece reiterar, como um toque de confirmação, a inteligente observação de Maurice Maeterlinck de que o ser, como entidade espiritual, não se encarna a não ser parcialmente.
Vinte e sete: Devemos lembrar ainda que a ideia de espírito, em contraste com a de alma encarnada, é entendida sob muitos rótulos diferentes, mantendo, contudo, as características essenciais que estamos lidando aqui. Servem como rótulos para essa mesma realidade essencial termos e expressões como overself, higher self, Cristo interior, hóspede desconhecido, ego superior, inconsciente, individualidade e outras. Predomina em toda essa terminologia o conceito de que se trata de uma área do ser que se mantém acoplada ao cosmos e, por isso, a todos os demais seres que povoam o universo. O fenômeno conhecido como de visão ou integração cósmica seria, portanto, uma evidência a mais da participação de cada individualidade no todo, não apenas com acesso – difícil, mas possível – ao todo, do qual nunca se desliga. Podemos, ainda, encontrar aqui a gênese do brilhante achado de que o Dr. Carl Gustav Jung identificou como inconsciente coletivo, perdoável erro de rotulagem, mas, ainda assim, uma ideia genial, por conceber o psiquismo de cada ser vivo como partícula da Inteligência Cósmica, que também figura no pensamento humano com numerosas expressões que querem dizer a mesma coisa. Disse, porém, que houve da parte do Dr. Jung um perdoável erro de rotulagem. Explico-me, com o devido respeito pelo eminente sábio suíço. Vejo o chamado inconsciente coletivo precisamente ao reverso, como consciente coletivo ou cósmico. Só a personalidade – espírito encarnado – é que não tem consciência dessa realidade, a não ser episodicamente e sob condições especiais de sintonização com ele. Na verdade, todo o conhecimento e toda a memória do universo estão lá, são da essência mesma da consciência cósmica, que A Grande Síntese considera “pensamento de Deus”.
Vinte e oito: Insisto em ver o hemisfério cerebral esquerdo como unidade central processadora da personalidade, ao passo que o direito fica reservado à individualidade. Para refrescar a memória, devo lembrar que o termo personalidade pode ser tido como sinônimo de alma e que alma deve ser entendida como espírito encarnado. Para ser mais preciso, poderemos admitir que a alma é a “área” da entidade espiritual que se encontra mergulhada na carne, ao passo que a porção mais nobre, se assim podemos nos expressar, ou seja, a individualidade, permanece, como temos insistido, ligada às suas origens e ao seu ambiente cósmico, em relativa liberdade.
Vinte e nove: Mais do que isso, ainda, recentes especulações sobre os enigmas da função cerebral pareciam autorizar a ideia de que o lado direito funciona como “uma câmara de eco” para o esquerdo, ou, mais especificamente, como um supervisor, dado que atua, no dizer de Smith, como “um modificador ou qualificador para a personalidade esquerda”. De minha parte, acho que o autor empregou com propriedade o termo personalidade, localizando-o à esquerda. Eu apenas acrescentaria que, em lugar de outra personalidade à direita, o que temos aqui é a individualidade, ou seja, o ser total, a entidade cósmica, o espírito. A hipótese oferece, ainda, um bônus adicional, ao abrir espaço para os conceitos freudianos de ego e superego, cabendo a este, como expressão da individualidade, implantado do lado direito do cérebro, a função controladora ou, pelo menos, crítica, sobre o ego (personalidade), sediado à esquerda, dado que, de volta a Anthony Smith, encontramos o que ele chama de “metáfora médica”, segundo a qual “é o lado direito que gera uma segunda opinião”, certamente revisionista, quando discordante.
Trinta: Teremos oportunidade de ver com o Dr. Gustave Geley que, a despeito dessa aparência de dualidade, não há duas pessoas entre nós, uma para uso, digamos, externo, outra internamente. Em Annie Besant encontramos a mesma advertência, no capítulo XII, no qual estuda a natureza da memória. “Temos de ter sempre em mente o fato de que a nossa consciência é uma unidade, e que essa unidade de consciência opera em vários níveis, o que lhe confere uma falsa aparência de multiplicidade”. Depois de lembrar que o Ser é um “fragmento do Universo”, a Dra. Besant descreve com sua característica clareza que, ao chegar ao plano da matéria, a consciência tem que se entregar às limitações impostas pelo corpo físico, ao qual as informações e os estímulos do ambiente em que vive chegam-lhe pelo sistema sensorial, ou seja, olhos, ouvidos, tato, paladar e olfato. Claro que um vetor da consciência precisa estar permanentemente atento a esses aspectos, mesmo porque não seria inteligente ocupar a consciência global nessa tarefa limitadora. Este é o momento em que a autora vai buscar em Paulo de Tarso a imagem literária de que necessita para marcar a sua visão do fenômeno. “Não há memória a não ser a permanente consciência do Logos, no qual, literalmente, vivemos e nos movemos e temos o nosso ser. Nossa memória se limita a colocar-nos em contato com aquelas áreas da consciência d’Ele, das quais tenhamos anteriormente partilhado” (p. 217).
Trinta e um: Experiências pessoais e bem documentadas com a morte, fenômeno para o qual foi cunhada a sigla NDE (near death experiences, experiências de morte iminente que, em texto de minha autoria, propus chamar de “morte provisória”). Em alguns desses casos, a pessoa vive o intenso processo de integração com o cosmos, ou melhor, toma conhecimento de que é parte integrante de tudo aquilo que a cerca, não apenas o que vê e percebe, mas também o que sente. O magno problema está aqui em relatar a experiência. A pessoa fica como que a tatear no vazio por palavras e expressões que traduzam razoavelmente as sensações que viveu naqueles breves momentos de eternidade.
Trinta e dois: Alguém que sofreu um esmagamento debaixo de um caminhão conseguiu explicar melhor o que experimentou: Outra coisa que você percebe quando se vê na presença da luz – depõe ele – é que você se encontra subitamente em comunicação com o conhecimento absoluto. É difícil descrever, mas o melhor que posso dizer é que você pensa numa pergunta e a resposta vem imediatamente, É simplesmente isso. Pode ser a respeito de qualquer coisa, mesmo sobre assunto do qual você não sabe nada. É possível que você nem entenda a informação recebida, mas a resposta é instantânea e você perceberá imediatamente o significado dela. Basta formular uma ideia acerca do que você quer saber que a resposta correta será prontamente recebida. É tão estranho que só posso compará-la ao fato de você ligar-se num computador e receber, em segundos, a resposta correta. Muitas das minhas perguntas foram respondidas, algumas de natureza estritamente pessoal, algumas que têm a ver segundo a qual a pessoa vive sua vida e suas conseqüências, algumas sobre aspectos religiosos, tanto quanto certos detalhes de eventos futuros (p. 118-119).
Trinta e três: Nas experiências de visão cósmica, a personalidade se vê, de repente, diante de um insuspeitado saber ao qual jamais teria acesso em sua condição normal. A individualidade, por sua vez, por sua origem divina, participa de todo o conhecimento, mas a ele vai acessando gradativamente, segundo seu grau de adiantamento evolutivo, nunca atingindo, contudo, o conhecimento total, infinito, que só a Divindade possui. Pelo mecanismo da encarnação, a individualidade vai aprendendo a vencer as limitações da matéria e a dominá-la, sendo cada vez mais ela própria, até que a personalidade não lhe constitua empecilho à sua manifestação. Se assim não fosse, não haveria etapas evolutivas a vencer e o próprio conceito de evolução não faria sentido. A individualidade evolui; a personalidade, não – ela apenas revela parcialmente o grau evolutivo daquela. Quando uma individualidade atinge o nível evolutivo do Cristo, por exemplo, a matéria na qual se acha mergulhada a personalidade não oferece mais nenhum obstáculo à expressão da individualidade – não representará mais qualquer limitação. Neste ponto, a individualidade terá atingido a perfeita união com a Divindade. Ao declarar que era um com o Pai, o Cristo caracterizou sutil modalidade de relacionamento: estar em, sem ser, Deus. Assim como a individualidade está na personalidade sem ser a personalidade, a individualidade está em Deus sem ser Deus. Pode-se dizer, portanto, que as individualidades são formas de expressão da Divindade.
Trinta e quatro: Do que depreende que, em situações como essa, retido pelas limitações da lógica e de sua capacidade de análise, o consciente (leia-se personalidade) tem de ceder lugar ao procedimento intuitivo e não-verbal sediado no hemisfério direito, de onde opera a individualidade. “Nossa mente consciente” – ensina Snow – “e sua maneira lógica e analítica de pensar, aparentemente filtrada através do hemisfério esquerdo do córtex cerebral, naturalmente resiste à intrusão do tempo não-linear ou da atemporalidade em nossa percepção mental. Não obstante, tais conceitos, facilmente aceitáveis como reais, parecem constituir condição normal de operação para outros níveis mentais – ou acessíveis através do hemisfério cerebral direito, quando experimentamos os chamados estados alterados de consciência” (p. 5). Acha mesmo Snow, como vimos, que tendemos a aceitar melhor o processo de reavaliação do passado porque “acreditamos que ele já aconteceu”. O Dr. Snow considera inexistente a categoria tempo linear, ou seja, não há passado, presente e futuro, mas uma só realidade atemporal. Dentro dessa mesma conceituação, entendemos por que Larry Dossey (em Reencontro com a Alma) insiste, e amplia sua concepção de que a mente é uma categoria “não localizada”, além de tempo e espaço, Aproveito a oportunidade para propor uma correção, mais de forma do que de fundo nessa observação: não-localizada, sim, mas em termos espirituais, dado que a função mental correspondente está sediada no hemisfério direito, a cargo da individualidade. A personalidade, contudo, com suas raízes e sensores no hemisfério esquerdo, precisa estar ancorada nas categorias de tempo linear, espaço, lógica e limitações lingüísticas, sem o que não poderia cumprir as tarefas para as quais é programada em cada existência do lado de cá da vida. Talvez, por isso, tenha dito Meister Eckhart, apud Dossey, que “não há maior obstáculo à união com Deus do que o tempo”.
Trinta e cinco: Uma vez alcançado o nível desejado de relaxamento – não necessariamente o de hipnose profunda – a Dra. Wambach sugere aos seus pacientes que eles próprios se ponham em estado alfa, autoinduzindo-se um ritmo de cinco ciclos por segundo na atividade cerebral. Vejamos como ela descreve o que ocorre, nesse ponto: “Quando as mandíbulas se relaxam, o aparelho fonador também se relaxa. Com os centros de fala relaxados, meus pacientes parecem transferir-se dos centros cerebrais da fala – o lobo temporal, à esquerda do cérebro – para outras áreas de interesse, deslocando-se para o hemisfério direito, onde sonhos, aspirações artísticas e intuições científicas parecem ter suas origens”. Ante o silêncio temporário do hemisfério esquerdo, o direito assume o controle ou, pelo menos, consegue entender-se melhor com a parte do ser que se encontra implantada à esquerda. É o momento a partir do qual a doutora começa a formular suas perguntas.
Trinta e seis: Há, portanto, à direita, um diferente conceito de racionalidade e não um estado de irracionalidade, simplesmente porque as coisas se passam numa área psíquica fora do alcance da consciência de vigília.
Trinta e sete: “Na verdade, como os místicos têm atestado durante milênios, nos seus mais profundos níveis, a mente perde contato com a realidade espaço / tempo e flutua em estado de pura felicidade não-material, além de quaisquer limitações físicas ou temporais”. Também o Dr. Snow chama a atenção para a resistência que a área analítica da mente – implantada a esquerda do cérebro – oferece ao que ele caracteriza como “intrusão do tempo não-linear ou atemporalidade em nossa função mental”. Não obstante, essa atemporalidade constituiria “normalidade operacional” em outros planos mentais somente acessíveis ao hemisfério direito. Acha, ainda, o Dr. Snow que esse mecanismo funciona tanto nos processos de regressão de memória (ida ao passado), como nos de progressão (ida ao futuro). Isso nos remete de volta a Annie Besant, ao ensinar, em A Study in Consciousness (p. 227), que o problema não reside na onipresença e imutabilidade da vida, mas “em nossos veículos” de manifestação. Daí a proposta de Snow, segundo a qual a mente consciente consegue “aceitar mais facilmente a ideia de relembrar o passado porque acreditamos que ele já aconteceu”. É o que realmente parece ocorrer. Como contornar o “racionalismo” do ser consciente, ancorado no hemisfério esquerdo, quando, para o direito, passado, presente e futuro parecem constituir uma só e simultânea realidade? Ainda há pouco considerávamos a perplexidade do Dr. Jung com a impactante ideia da atemporalidade. “Como representar” – pergunta-se Jung – “que vivi o ontem, o hoje e o amanhã?”
Trinta e oito: Daí o fascínio do ser humano em tentar decifrar o futuro pela predição. Além disso – prossegue –, em razão da especialização funcional da mente em hemisférios com diferentes concepções e tarefas, “dispomos de duas maneiras fundamentalmente diferentes de expressar conscientemente o que nossa mente sabe”. O que ele diz a seguir me parece importante demais para ser apenas parafraseado. É imperioso traduzir o trecho: “Assim, ou desenvolvemos os sistemas imaginativos e profético no cérebro direito para nos dizer o que nos reserva o futuro, ou instalamos um processo ‘esquerdo’ de coletar, organizar e comparar tantas informações sensoriais passadas e presentes quanto possíveis, a fim de tentar predizer os eventos a partir de uma correlação de dados. Chamamos, hoje, a primeira delas predição ‘psíquica’ (ou seja, mediúnica) e a segunda, ‘projeção’ (forecasting). Elas têm tido diferentes nomes no passado, mas tudo se reduz a uma diferença básica, ou seja, que parte do cérebro estamos primariamente recorrendo em busca de respostas” (p. 34).
Trinta e nove: A Dra. Wambach, por exemplo, inferiu de suas pesquisas que, de certa forma, o hemisfério direito, por mais silencioso e desligado que pareça da realidade ambiental do ser encarnado, revela insuspeitada liderança e exerce nítida autoridade sobre o esquerdo. O que nada tem de surpreendente, aliás, porque a individualidade realmente supervisiona a distância – não muito distante! – tudo o que se passa na personalidade. Como diz o Dr. Jung, o inconsciente é muitíssimo mais amplo, sábio e rico de informações do que o consciente, que se restringe aos dispositivos estritamente necessários para gerenciar a vida terrena.
Quarenta: A imagem da máscara (persona) é, pois, de uma precisão irretocável. A individualidade a põe para representar o papel que lhe cabe na vida, tal como os antigos atores a colocavam para viver as personagens que lhes eram atribuídas. Num caso como no outro, a personalidade é uma condição transitória, quase diria postiça, ao passo que, mesmo mascarada, a individualidade preserva-se na permanência, no eterno e, certamente, no comando, na liderança. Uma “é”, a outra “está”, e, por algum tempo, a que está no palco se mantém consciente e gesticula, e fala, e ri, e chora, tudo dentro do papel que lhe é atribuído.
Quarenta e um: “Opero a fusão entre as duas metades do pensamento humano” – lê-se em A Grande Síntese (p. 113) –, “até agora separadas e inimigas, entre o oriente, sintético, simbólico e sonhador, e o ocidente, analítico e realista.” E, mais adiante (p. 116): “Fé e ciência, intuição e razão, oriente e ocidente, se completam, quais termos complementares, quais duas metades do pensamento humano”.
Quarenta e dois: Nesse ponto da sua exposição, Watson nos passa uma preciosa informação do Dr. D’Aquili que se encaixa no que estamos aqui a debater. É o seguinte: como cada hemisfério tem sua própria maneira de se expressar, as mensagens do direito para o esquerdo têm de passar por um processo de tradução, ou melhor, de verbalização. Num caso típico de comunicação por meio do corpo caloso, o direito, no exemplo sugerido por D’Aquili, vê a presença de Deus num belo pôr do sol, mas a ideia é “muito vaga e metafísica” para o gosto do esquerdo, que se limita, algo desajeitado, a comentar as cores pintadas no horizonte. Quando, porém, entra em ação o componente emocional, a comunicação entre os dois hemisférios parece ignorar a ligação habitual e se utiliza do sistema límbico (a passagem secreta do sonho) e vai direto ao lado esquerdo, produzindo a experiência transcendente (p. 112). Watson traz para o âmbito da discussão o Dr. Andre Weil, caracterizado como “um médico livre-pensador” que considera esse tipo de bypass essencial à visão de “mundo sem os filtros nos seus lugares habituais”.
Quarenta e três: Eu diria que o estado de percepção transcendental se torna viável quando conseguimos separar personalidade de individualidade, ou melhor, fazemos silenciar o lado esquerdo, na sua infatigável tagarelice, a fim de poder “ouvir” a linguagem silenciosa e não-verbal que circula pelo hemisfério direito. Daí porque todo processo de meditação que se preze começa com o exercício de “esvaziar” a mente, ou seja, fazer calar o pensamento consciente e os sentidos. Não é que se interrompa a comunicação entre um hemisfério e outro; o que acontece é que a personalidade e a individualidade se entendem, em tais circunstâncias, não mais pelo corpo caloso, mas pela conexão límbica, que funcionaria como uma passagem secreta através da qual o ser humano como que se encontra consigo mesmo, integrando personalidade e individualidade.
Quarenta e quatro: Se a estrutura cerebral fosse excessiva e, portanto, ociosa e desnecessária, ela própria estaria condenada a minguar e não a expandir-se em ritmo que nenhum outro dispositivo biológico pode imitar. Na realidade, o que me parece é que estamos avaliando o cérebro como um todo apenas pela utilização que lhe dá a personalidade, essa sim, interessada nos mecanismos de sobrevivência física. Continuamos a ignorar como a individualidade opera e a parte que lhe toca e que “espaço” ocupa no edifício cerebral. As extraordinárias amplitudes do inconsciente, em confronto com a exíguas “dimensões”e capacidades conscientes, estão a indicar, por si mesmas, a razão da constante expansão cerebral, de vez que a cada existência terrena que se encerra todo o material acumulado passará automaticamente para o inconsciente na existência subseqüente a fim de abrir espaço para as novas experiências.
Quarenta e cinco: “No princípio, havia o movimento (p. 139) e o movimento se encontrou na matéria; da matéria nasceu a energia; da energia, emergirá o espírito”. “Um germe de psiquismo (p. 197) já existe, conforme vimos, na complexa estrutura cinética dos motos vorticosos”. Talvez a tarefa de cada ser inteligente, na sua condição de co-criador, seja a de vir para esta dimensão a fim de recolher tantas partículas de inteligência quanto possíveis de toda essa incalculável quantidade delas que ainda estão adormecidas na matéria, à espera de que alguém venha buscá-las para a glória suprema da consciência. Estavam certos, portanto, os gnósticos que consideravam a vida na carne como exílio, esquecimento, estado de embriaguez semelhante ao da morte. Vivo era o ser redimido, reintegrado não propriamente em Deus, dado que nunca nos desligamos totalmente dele. Por mais estranho que possa isso parecer, o que nos separa de Deus não é o estado de inconsciência que atribuímos a tudo quanto se passa no âmbito da individualidade, e que, no corpo físico, localiza-se no hemisfério direito; ao contrário, é precisamente aquilo que chamamos de consciência, ou seja, o pólo do ser que se acha restrito à personalidade e, portanto, o hemisfério esquerdo, que nos limita de tal maneira a visão cósmica que nos põe como que separados de Deus.
Quarenta e seis: Em Space, Time and Medicine, o Dr. Larry Dossey propõe a hipótese de que o cérebro seja um holograma. Como sabe o leitor, por mais diminuta que seja a partícula de um holograma, ela é sempre uma integral réplica do todo. Isso quer dizer que cada um de nós, como “princípio inteligente individualizado”, é um microcosmo integrado no macrocosmo, ao mesmo tempo em que preservamos a nossa condição de indivíduos. Mais: este paradoxal conceito revela que somos, ao mesmo tempo, a partícula e o todo. Aliás, o módulo do livro em que Dossey trata desse aspecto abre com uma citação de David Bohm, segundo o qual “todo o universo” (com todas as suas “partículas”, inclusive as que constituem os seres humanos, seus laboratórios, instrumentos de observação, etc.) “tem de ser entendido como um único todo integral”. Estudá-lo analiticamente em suas pretensas partes não faz sentido. Portanto, mesmo ao tomarmos a partícula holográfica do ser humano, temos de estar conscientes que estamos diante do cosmos, do todo, do indivisível. A antiga sabedoria ocultista dizia isso mesmo, ensinando: “o que está em cima está também em baixo”. Em outras palavras, disse o Cristo que a vontade de Deus é para ser feita “assim na terra como nos céus”, ou seja, por toda parte, dado que o universo é um só pensamento e a lei cósmica uma só, para tudo e todos.
Quarenta e sete: “Sente-se diante do fato” – propõe T. H. Huxley (Dossey, II, p. 225) – “como uma criança e esteja preparado para abrir mão de qualquer noção preconcebida; siga humildemente para qualquer abismo a que a natureza o conduzir, ou você não aprenderá coisa alguma”.
Quarenta e oito: Dossey obteve declaração não menos importante de Einstein sobre como via o ser humano no universo: “Um ser humano é parte limitada no tempo e no espaço de um todo por nós chamado de ‘universo’. Ele tem pensamentos e sentimentos como algo separado do restante – uma espécie de ilusão de ótica da consciência. Essa ilusão é como uma prisão para nós, restringindo-nos a decisões pessoais e ao afeto por algumas pessoas mais próximas. A tarefa que nos cabe é libertar a nós mesmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão para abraçar todas as criaturas e toda a natureza em sua beleza”.
Quarenta e nove: Uma vez desdobrado ou parcialmente separado do corpo físico, o ser subconsciente denota conhecimentos obtidos “à revelia do ser consciente”, sem trânsito obrigatório pelas vias sensoriais normais. Esta observação de Geley antecipa, em cerca de meio século, importantes aspectos da futura parapsicologia, a que o Prof. J. B. Rhine deu status de ciência acadêmica, queiram ou não queiram seus detratores: o da percepção extrassensorial. Foi a ESP (Extra Sensorial Perception), cientificamente demonstrada em severos testes de laboratório, o que derrubou de uma vez para sempre o bimilenar postulado aristotélico da indispensável participação dos sentidos na aquisição do conhecimento. “Dentro desse esquema” – escreve Geley, p. 132 – “acha-se a noção nítida de acontecimentos afastados, passados ou futuros, que o ser consciente não pode aprender, nem direta nem indiretamente. No mesmo rol estão, sobretudo, as aquisições psíquicas complexas, que não podem ser devidas ao ser consciente, e por ele ignoradas: conhecimentos científicos, artísticos, literários, profissionais, etc. nunca aprendidos; conhecimento preciso de um idioma ignorado pelo sujeito normal, e assim por diante”. Do que se depreende que, uma vez exteriorizado ou desdobrado, isto é, parcialmente livre da severa contenção do corpo físico, o ser subconsciente tem acesso a uma dimensão em que até mesmo tempo e espaço são transcendidos, o que explicaria também as faculdades premonitórias ou francamente proféticas em pessoas especialmente dotadas. Entendo essas faculdades e outras sensibilidades da mesma natureza como conseqüentes de melhor sistema de comunicação entre consciente e inconsciente.
Cinquenta: Mesmo com as reconhecidas dificuldades de comunicação entre consciente e inconsciente, os dois “seres” se entendem e desenvolvem um procedimento de colaboração, até que a morte do corpo físico venha romper o isolamento entre as duas faces da individualidade. É nesse momento que ocorre o fenômeno que caracterizei em A Memória e o Tempo como transcrição das memórias e dos “programas” de uma área do psiquismo para outra, ou seja, o psiquismo provisório da personalidade para o psiquismo definitivo da individualidade. É o que também parece entender o Dr. Geley, que informa o seguinte: “A ruptura total dos dois psiquismos, o que acontece na morte, deve devolver ao ser subconsciente a utilização dessas faculdades e desses conhecimentos, utilização essa tanto mais perfeita quanto mais desenvolvida a sua evolução”. A Grande Síntese (p. 205) entende o fenômeno de maneira idêntica, ao ensinar que o processo da assimilação está na “base do desenvolvimento da consciência” e “se realiza precisamente por transmissão ao subconsciente, onde tudo se conserva, ainda que esquecido, pronto a ressurgir, desde que uma excitação o desperte, um fato o exija”. Segundo A Grande Síntese, o aprendizado vai-se acumulando na memória para futura utilização automática. “Os dois pólos do ser (p. 19): consciência exterior, clara, e consciência interior, latente, tendem a fundir-se. A primeira experimenta, assimila e introduz na outra os produtos assimilados através do movimento da vida; destilação de valores, automatismos, que serão os instintos do futuro”.
Cinquenta e um: “Toda a matéria” – confirma A Grande Síntese (48) –, “ainda mesmo a camada bruta ou inerte, vive, sente e pode plasmar-se e obedece, desde que atingida por uma ordem profunda”. Mecanismo idêntico funcionaria, segundo Geley, nos fenômenos de materialização, nos fenômenos mediúnicos de efeito físico, que também exigem um molde invisível segundo o qual entidades desencarnadas possam reassumir, por breve tempo, suas formas físicas, às expensas de substância tomada por empréstimo aos médiuns dotados de faculdades específicas para o caso. “Sabe-se que diferentes observadores, Crookes e Richet, entre outros, descreveram materializações completas. Não se trata de fantasmas, no sentido próprio da palavra, mas de seres que dispõem, momentaneamente, de todas as particularidades vitais dos seres vivos, cuja aparência corporal era perfeita”.
Cinquenta e dois: Para ele, “ao lado e acima das causas admitidas pela natureza, há um princípio superior ao que ele chama inconsciente, que constitui o que há de essencial, de divino no universo, no qual se encontram potencialmente todo o poder da vontade e o da representação”. Dentro desse quadro, portanto, tudo se realiza por vontade do inconsciente, tanto no processo mesmo da evolução, quanto na área circunscrita do indivíduo. “Na evolução, o inconsciente desempenha papel primordial. A seleção natural não explica a origem das novas formas, ela é apenas um meio através do qual o inconsciente se utiliza para chegar aos seus objetivos. No indivíduo, o inconsciente desempenha papel predominante junto aos fenômenos vitais. Ele tem em si a essência da vida, ele forma o organismo e o mantém; repara seus danos internos e externos e guia com finalidade específica seus movimentos” (p. 205).
Cinquenta e três: Por isso, o Dr. Geley mostra-se convicto de que “a própria evolução, como veremos, nada é senão sua própria passagem do inconsciente para o consciente”. O que, de outra forma, confere com o pensamento de Teilhard de Chardin, segundo o qual a vida é “imensa ramificação do psiquismo que se busca através da forma” (O Fenômeno Humano). Depois de armado todo o cenário que acabamos de repassar, o Dr. Geley expõe seus “dois postulados primordiais da filosofia” e que assim estão redigidos: (1) O que há de essencial no universo e no indivíduo é um dínamo-psiquismo único, primitivamente inconsciente, mas tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e as coisas inumeráveis não são mais que representações suas. (2) O dínamo-psiquismo essencial e criador passa, pela evolução, do inconsciente para o consciente.
Cinquenta e quatro: O que confere com o dínamo-psiquismo do Dr. Geley, com a busca através da forma, proposta por Chardin, com a evolução criadora de Bergson e com a técnica cósmica de “intelectualizar a matéria”, como ensinaram os instrutores espirituais do Dr. Rivail. Em suma, o ser vivo, tanto quanto o universo, são da mesma essência única. A Grande Síntese não é estranha a esses conceitos; ao contrário, os acolhe, ao definir o universo como “unidade orgânica em evolução” (p. 112). Para acrescentar adiante (p. 296), que “o universo é organismo monístico, que funciona sob o império de um princípio único”. Aliás, no início da obra (p. 29), ficou dito que “como estrutura, o universo é um organismo, isto é, um todo composto de partes reunidas, não ao acaso, mas com ordem, com recíproca proporção”.
Cinquenta e cinco: Por muito tempo vimos dividindo as coisas criadas em vivas e inertes, ou seja, dotadas ou não dotadas de um componente psíquico. Ao que tudo indica, essa postura está sendo, senão questionada, pelo menos reformulada em razão de especulações e pesquisas mais recentes, como a hipótese Gaia, segundo a qual o próprio planeta seria um ser vivo a interagir com aqueles que o povoam. Annie Besant (capítulo VI, p. 105 e seg.), ao discorrer sobre a consciência como uma só realidade cósmica, invoca o apoio científico do Prof. Jagadish Chandra Bose, de Calcutá, que “provou definitivamente, que a chamada ‘matéria inorgânica’ responde a estímulos de maneira idêntica aos metais, vegetais, animais e – tanto quanto se pode experimentar – o ser humano” (p. 109). É com apoios como esse que a Dra. Besant se sente autorizada a declarar, à página 115 do seu livro que: “O homem é o microcosmos do universo e seu corpo serve de campo evolutivo para miríades de consciências menos desenvolvidas do que sua própria”.
Cinquenta e seis: Quanto ao mal, não teria mais que uma importância relativa, sendo sempre reparável. Ele acha mesmo (I, p. 332) que o mal acaba sendo “o acompanhamento inevitável do despertar da consciência”. A Grande Síntese prefere ver esse conceito sob a ótica da dor como fator evolutivo, mas como a dor resulta, invariavelmente, de nosso atrito com a lei cósmica – e isso é o que se chama erro ou pecado – as posturas de Geley e as do autor espiritual de A Grande Síntese são convergentes.
Cinquenta e sete: De alguma forma ou de outra, em conflito intimo ou nos momentos de serenidade e meditação – especialmente nesses –, ele se punha a observar ao que chama “jogo alternado das personalidades número 1 e número 2”. Ressalva que nada disso tem a ver com a famigerada dissociação de personalidade, sendo, ao contrário, algo que “se desenrola em todo o indivíduo”. E prossegue (p. 52): “Em primeiro lugar, são as religiões que sempre se dirigiram ao número 2, ao ‘homem interior’. Em minha vida, o número 2 desempenhou o papel principal e sempre experimentei dar livre curso àquilo que irrompia em mim, a partir do íntimo. O número 2 é uma figura típica que só é sentida por poucas pessoas. A compreensão consciente da maioria não é suficiente para perceber sua existência. Seja como for, essa dicotomia íntima revelou-se muito cedo na vida de Jung, já que ele informa, à página 66 da tradução brasileira, que o processo paralelo dentro do qual o seu número 2 (a individualidade) se desenvolvia era secreto. Nos intervalos, deixava que seu aspecto número 1 (a personalidade) lesse obras inexpressivas, como romances ou os clássicos ingleses, em tradução, com “suas explicações inúteis e enfadonhas do óbvio”. A partir de certa época, contudo, “a personalidade número 1 começou a preponderar”, em prejuízo da sua convivência com a de número 2, que ele caracteriza como aquela parte de si mesmo que “pertencia aos séculos”. Para melhor entendimento das disparidades dessa dicotomia, ele usa para o número 1 a expressão “homem velho”, que passou a envolver-se cada vez mais com a rotina da vida terrena.
Cinquenta e oito: A partir de certo ponto, a número 1 começa a preponderar, como diz Jung, simultaneamente com a retirada para os bastidores da tutela da número 2, implantada, segundo nossa hipótese, no hemisfério direito. A partir desse ponto, a individualidade apenas acompanha as experimentações da personalidade, interfere em momentos mais críticos, mas procura deixá-la tão livre quanto possível no exercício de seu livre-arbítrio. Jung cuidou, por todos os meios ao seu alcance, de manter condições favoráveis de acesso aos ricos arquivos e à experiência milenar da número 2. Por isso, manteve-se atento ao fluxo de suas intuições, ao mesmo tempo em que se abria para os grandes pensadores e filósofos do passado. Seu psiquismo é por demais rico, seus interesses são amplos, suas intuições abundantes e, logicamente, seus conflitos íntimos uma constante. Queixa-se também da ansiedade do seu número 1 em livrar-se da “melancolia do número 2”. Poderia, à primeira vista, tratar-se do desconforto que a individualidade experimenta ao sentir-se contida pelas limitações que lhe impõe o acoplamento obrigatório com a matéria, enquanto a personalidade aprende e se exercita no uso do livre-arbítrio. Descobre, contudo, que em realidade, não é o número 2 que se sente deprimido, “e sim o número 1, quando se lembra do número 2”. Tudo lhe constitui motivação para profundos insights.
Cinquenta e nove: De repente, deu com o sentido da cifrada mensagem onírica e que se traduzia no conceito de que “onde há uma vontade, há um caminho” (p. 160). Embora atento à realidade de que o inconsciente recorre a imagens simbólicas, e situações arquetípicas para transmitir o seu recado ao consciente, Jung parece não distinguir bem o sonho da atividade de seu próprio ser em desdobramento ou projeção, o que é mesmo difícil. É que, em ambas as situações, o inconsciente ( = individualidade = personalidade número 2) continua como interlocutor não-verbal, recorrendo ao que os instrutores do Prof. Rivail caracterizaram como “linguagem do pensamento”. A individualidade “fala”, portanto, de uma dimensão onde imperam a permanência, o eterno, o imutável, a uma parcela de si mesma que está mergulhada na transitoriedade, na qual a linguagem devidamente articulada constitui instrumento indispensável ao processo de comunicação com os demais seres que povoam o ambiente em que vive.
Sessenta: Não me arrisco, neste ponto, a uma conclusão resolutiva (quanto ao sonho), mas tenho uma hipótese a oferecer àqueles que, mais habilitados do que eu, desejem testá-la. Penso que o recado inconsciente / consciente é elaborado mentalmente, ou seja, é um conjunto de informações e ideias que se traduzem em imagens dotadas de conteúdo ético, ainda que oculto, ao passo que a atividade em desdobramento e projeção se reduz a uma vivência experimentada no plano da realidade invisível. Pode até conter também uma imagem ou ensinamento, mas não passa de monitoração do que fazemos na outra dimensão da vida, enquanto o corpo dorme ou se encontra em estado de relaxamento.
Sessenta e um: Mais adiante, à página 262, faz veemente declaração de confiança na tutela do inconsciente, ao qual deve ser atribuída suficiente liberdade para evitar que seja neutralizado pelos excessos da razão. “Quanto maior for o predomínio da razão crítica – opina –, tanto mais nossa vida se empobrecerá” (p. 262). O problema consiste em que não estamos suficientemente treinados e nem convencidos de que devamos nos entregar com maior confiança à orientação do inconsciente. Ao contrário, educados num contexto que se orgulha das convicções e práticas ditas racionalistas, queremos tudo submetido não propriamente à razão, mas aos critérios pessoais que elaboramos na construção de um modelo pessoal de racionalidade.
Sessenta e dois: Jung demonstrou, em numerosas oportunidades, a consciência de tal dualismo. É o que se pode conferir, ainda uma vez, do relato de suas experiências na África, dado que tudo para ele constituía motivação para o aprendizado. “Transbordando de impressões e pensamentos, voltei a Túnis. Na noite anterior ao nosso embarque para Marselha tive um sonho que, segundo meu sentimento, representava a súmula dessa experiência; era o que eu desejava; estava habituado a viver sempre, simultaneamente, em dois planos: um consciente, que queria compreender – e não conseguia –, e o outro, inconsciente, que desejava se exprimir – e só o fazia mediante o sonho.” Essa observação de Jung tem tudo a ver com o que estamos tentando passar com este livro. Não devemos perder de vista a realidade já percebida por muita gente de que há uma perda de tempo precioso, em termos evolutivos, naquilo que poderemos considerar como indiferença ou falta de atenção ao processo de interação entre consciente e inconsciente.
Sessenta e três: Mais enfático e preciso do que nesse ponto, ele reitera, à página 27, que, “em proveito da estabilidade mental e até da saúde fisiológica, inconsciente e consciente devem se manter integralmente acoplados e se movimentarem em paralelo. Se ocorrer uma clivagem, ou ‘dissociação’, sobrevém distúrbios psicológicos”. O leitor está sabendo que a dicotomia consciente / inconsciente pode ser expressa com a mesma propriedade pela dicotomia personalidade / individualidade. É pelo adequado entendimento entre essas duas facetas do ser que passa a rota que leva aos elevados patamares evolutivos da perfeição.
Sessenta e quatro: Lamentando mais uma vez a submissão do ser humano ao racionalismo extremado e mal formulado, escreve, ainda, à página 91 que, “nossas vidas atuais são dominadas pela deusa Razão, nossa maior e mais trágica ilusão”. Tão fascinados vivemos pela razão e pelo falatório da “consciência subjetiva que nos esquecemos do milenar fato de que Deus fala principalmente através dos sonhos e das visões”. Por tudo isso, conclui ele, “temos estado obviamente tão ocupados com o problema do que pensamos que nos esquecemos totalmente de perguntar o que pensa de nós a psique inconsciente”.
Sessenta e cinco: “Somente os limites da vossa consciência atual” – diz A Grande Síntese (p. 83) – “é que não vos permitem reconhecer-vos, ‘sentir-vos’ uma roda da imensa engrenagem, uma célula eterna, indestrutível, que concorre com o seu labor para o funcionamento do grande organismo”. “Não vos isoleis no vosso pequenino eu” – lê-se mais adiante (p. 123) – “nesse separatismo que vos limita e aprisiona. Compreendei essa unidade, lançai-vos nessa unidade e vos tornareis imensos”.
Sessenta e seis: Por isso, adverte-nos sobre uma realidade sempre ignorada ou desatendida, ao informar que sabemos das coisas que nos cercam “apenas o que os sentidos nos dizem”. Nossa experiência é uma construção sensorial, opina, e “nunca chegamos à verdade absoluta sobre as coisas, mas apenas naquilo em que elas afetam a observação direta” (p. 18). Mais para o fim do livro (p. 352), ele voltará ao tema específico dos sentidos para dizer que cada um deles nos mostra apenas um corte de certos detalhes do espetáculo da vida, mas não tem condições de nos oferecer uma experiência global em qualquer momento dado de tempo e espaço. Nas instruções finais acerca de sua metodologia da meditação, ele ensina que é indispensável ao aprendiz “fechar a porta dos sentidos ao mundo exterior” e evitar que o pensamento fique a vagar, sem rumo, levado pelas fantasias do momento. É necessário, insiste, “desfazer o trabalho dos cinco sentidos”, ou seja, impedir que eles funcionem por algum tempo ou, então, você não conseguirá mergulhar na sua própria intimidade, que, afinal de contas, é parte integrante da mente universal. Brunton expressa esse mesmo conceito em diferentes oportunidades e com palavras diversas, mas o conteúdo delas é o mesmo. Vejamos: “A experiência humana” – lê-se à página 150 – “é o resíduo final de um processo de interação, um tecido tramado de parceria com a mente comum, na qual todos os seres humanos vivem e pensam e que vive e pensa neles. O próprio mundo resulta de uma combinação da imaginação cósmica com a individual”.
Sessenta e sete: O autor recorrera a um colega cientista, cujo nome não menciona, que manifesta a seguinte e importantíssima opinião: “O crescimento e o desenvolvimento de qualquer sistema vivo parecem controlados por alguém de ‘dentro do organismo’ a dirigir todo o processo da vida”. Esse “alguém” existe de fato, como estamos vendo. É o “hóspede desconhecido” de Maurice Maeterlinck, o “ser subconsciente” de Gustave Geley e de Gabriel Delanne, a “personalidade 2” de Carl Gustav Jung, o “hidden observer” (observador oculto) de Paul Brunton (p. 140) e de Ernest Hilgard, da Universidade de Stanford, apud Lyall Watson, em Beyond Supernature (I, p. 305), ou o espírito, na sua pura expressão, no dizer dos instrutores do Prof. Rivail. Estou propondo, neste livro, que esse ser consciente, responsável, lúcido e permanentemente ligado à mente cósmica, tenha instalado no hemisfério cerebral direito seu posto de monitoração e comando. É a individualidade que traz, nas suas próprias estruturas espirituais, não apenas a vivência de todo um passado de experiências, como a programação para cada nova existência que se inicia na carne. Uma vez colocados na memória operacional da criança, no hemisfério esquerdo, os programas necessários ao funcionamento da vida, ela se retira para o contexto que lhe é próprio e, através de seus terminais no lobo direito, monitora a atividade que a personalidade vai desenvolvendo.
Sessenta e oito: Em Ensinamentos de Silvanus, por exemplo, está expressa a advertência habitual, sobre o engodo da matéria, que atrai a pessoa para a treva quando a luz se encontra a sua disposição, bebe a água suja, quando a limpa está ao seu alcance, ignora o chamado da sabedoria e atende ao da insensatez. Não porque assim o deseje a pessoa, mas porque “é a natureza animal dentro de você que o faz”. Mais adiante, aconselha: “Viva de acordo com a mente. Não pense nas coisas pertencentes à carne. Adquira força, pois a mente é forte”. Aconselhava-se, portanto, e com muita ênfase, a viver mais à direita, aconchegado ao espírito do que à esquerda, envolvido com a matéria. Para evitar excessos, contudo, o Evangelho de Felipe propunha uma solução conciliatória, ao ensinar “não tema a carne nem a ame. Se você a temer, ela o dominará. Se você a amar, ela o engolirá e o paralisará”. Continuamos, pois, no âmbito daquele conceito lembrado alhures, neste livro, segundo o qual a vida na carne deve fluir, tão suavemente quanto possível, entre o transitório e o permanente, entre o ser e o estar, e não entre o ser e o não-ser, como se questionava Hamlet.
Sessenta e nove: Em The Crack in the Cosmic Egg, o autor se apresenta mais enfático do que nunca. Para ele o “ovo cósmico”, mencionado no título, é “a soma total de nossas noções sobre que coisa é o mundo”. De certa forma, vivemos confortavelmente instalados nesse ambiente cultural, sem nos lembrarmos de que o “ovo” é também “uma prisão, que inibe a imaginação e o impulso de explorar novas ideias”. A postura de Pearce tem minha simpatia. Eu apenas diria que o ovo não se quebra sozinho, como dizem os editores, ele precisa ser quebrado, e mais, de dentro para fora. Se a ave não tomasse tal iniciativa, morreria na casca sem ter nascido. Daí a gente identificar sempre certo componente de inconformismo e até de rebeldia em muitos daqueles que realmente criam coisas e abrem caminhos rumo ao futuro. “Vivemos tempos nos quais a concha, na qual nos encerramos, não mais nos protege, mas sufoca e destrói”.
Setenta: “A mente separa-se em duas, a porção à qual estamos continuamente atentos e que constitui a pessoa observada e a porção que nos faz atentos ao fato de que há uma pessoa que constitui a mente que observa”. Ou seja, há em nós uma parte da mente, dita consciente, continuamente observada e outra, tida por inconsciente, que observa. Para que isso funcione dessa maneira, dispomos do seguinte esquema: (1) o corpo físico, (2) a consciência pessoal, que consiste em impressões, pensamentos, desejos, imagens e tendências cármicas e, (3) o observador impessoal, cuja presença é indiretamente revelada pela pessoa, da mesma misteriosa maneira pela qual a presença de um campo magnético se revela na movimentação da limalha de ferro. O eu total opera dentro desse contexto. “A pessoa” – prossegue (p. 147) – “é apenas uma projeção do overself, como uma figura onírica é a projeção da mente daquele que sonha. Não passa de uma criatura dependente que se esqueceu de suas origens e imagina agora ser o eu real”. Daí porque, somente após entender e superar essa fase de auto-ilusão, poderemos alcançar a realidade que se situa atrás da personalidade, até atingir a um ponto de otimização na trajetória evolutiva, na qual não há mais o observado – personalidade – e o observador – individualidade –, mas o ser total, consciente de sua integração e interação com a consciência cósmica. Esse estágio, contudo, somente é atingido quando se dá “a passagem de nossa personalidade inferior para a nossa mais elevada individualidade” (p. 183).
Setenta e um: Para ele, o universo é coisa “viva e mental”, conceito que reitera mais adiante (p. 307). Mais que isso, é também consciente, e nem poderia deixar de sê-lo, de vez que é pensamento de Deus, tanto quanto a criatura humana é a “individualização” desse princípio universal inteligente. Mais que isso, ainda, nada existe senão em Deus, cada galáxia e cada átomo. Daí porque Brunton, e o Dr. Gustave Geley consideram a vida um contínuo processo de expansão da consciência (p. 308), uma progressiva conscientização. Eis por que Brunton conta com a vitória final do que identifica como “as forças do Bem” (p. 456). “Há um plano geral por trás do universo. Podemos aninhar nossas vidas mansamente nele e encontrar, se o desejarmos, uma felicidade digna de ser vivenciada, ou podemos nos opor ao plano e sofrer inexoráveis conseqüências. Isso vale tanto para os indivíduos como para os povos. Mas o espírito redentor do plano é imbatível”.
Setenta e dois: Também na velha e lendária Suméria, Jaynes foi descobrir um provérbio que se traduz mais ou menos assim: “Aja imediatamente, faça a felicidade do seu deus!”
Setenta e três: Eu disse convicção. Este livro não foi concebido nem escrito para debater problemas de fé ou crença, que continuam, como lhes compete, implantados no território da teologia. Como venho reiterando em diferentes oportunidades, a fé é precursora da convicção. Não que se torne, de repente, obsoleta e inútil – ao contrário –, é que no patamar do conhecimento, ela abre os olhos, deixa de ser cega e adquire as tonalidades e dimensões da certeza, transmutando-se de uma fé que apenas crê naquela que sabe. Além do mais, examinamos aqui mesmo, neste livro, evidências que apontam para três estágios de um só processo ininterrupto: vida antes da vida, vida entre vidas e vida depois da vida, e, portanto, vida sempre. O leitor e a leitora tem todo o meu respeito pelo direito de duvidar ou discordar de tais formulações. “Tendes como sabedoria” – diz o autor espiritual de A Grande Síntese (p. 16) – “a ignorância das altas coisas do espírito… O limite sensório” – reitera adiante (p. 84) – “é apertado e vos mantém, diante da realidade das coisas, num estado que poderia chamar-se de constante alucinação”. E mais: “O relativo vos submerge, a consciência que se apóia na síntese sensória é um horizonte circular, fechado”.
Setenta e quatro: A julgar pelas informações de que dispomos em dissertações mediúnicas confiáveis, parece intenso o intercâmbio extracorpóreo entre individualidades encarnadas e desencarnadas, em contexto e dimensão nos quais a palavra é dispensável, dado que o pensamento se comunica, como tenho dito, in natura. Isto se torna possível porque o sono fisiológico comum e outras modalidades de relaxamento corporal possibilitam o desdobramento temporário do corpo invisível (perispírito). Nesse estado de relativa liberdade de ir e vir pela dimensão espiritual, são freqüentes as oportunidades de entendimento com os seres desencarnados que, por não disporem de corpo físico, já têm a personalidade da mais recente encarnação absorvida pela individualidade e, portanto, presumivelmente livres de suas interferências e limitações. Esse aspecto parece confirmado em A Grande Síntese, onde se lê, à página 20, o seguinte: “Indico-vos grandes descobertas que a ciência terá de realizar, sobretudo, a das vibrações psíquicas, por meio das quais dado nos é a nós, espíritos sem corpo, comunicar-nos com a parte que, em vós, é espírito, como nós”. É tão importante essa informação que a entidade autora do livro diz estar oferecendo, com ela, o nosso amanhã.
Setenta e cinco: Esse mesmo tipo de dificuldade – de traduzir símbolos em palavras – vimos enfrentado pelo Dr. Jung às voltas com os freqüentes sonhos que relatava em seus escritos. Algumas dessas mensagens oníricas eram de tão vital relevância para ele que a individualidade insistia em suscitar nele um esforço interpretativo que o levasse, afinal, ao entendimento da informação cifrada. Por isso tudo é de ressaltar-se a intuição de alguns pensadores (Maeterlinck, Freud, Jung, por exemplo) que preconizaram melhor entrosamento entre consciente e inconsciente.
Setenta e seis: Nas etapas mais avançadas do processo evolutivo, portanto, isso acontece a partir do momento em que personalidade / individualidade, alma / espírito, consciente / inconsciente começam a entenderem-se melhor, utilizando-se com maior competência e sensibilidade dos dispositivos em operação no corpo físico – os hemisférios direito e esquerdo, onde uma dialoga com a outra. A tendência, como se percebe, é a de uma eventual integração da personalidade na individualidade, equivalente à total conscientização do ser espiritual, como preconiza o Dr. Geley, tanto quanto se lê em A Grande Síntese e que, afinal de contas, era o que também desejava Maurice Maeterlinck.
Setenta e sete: Estamos assim, ante a perspectiva de uma extinção da personalidade, ou seja, uma expansão da consciência a ponto de que ela passe a ser uma com a individualidade, sem mais separações ou dicotomias. Isso não é nada surpreendente e nem preocupante, dado que constitui legítimo propósito da evolução espiritual. Alcançado um elevado patamar evolutivo, o ser liberta-se do ciclo das encarnações compulsórias, como já assinalavam os remotos místicos orientais.
Setenta e oito: Daí porque o escritor, o poeta, o compositor ou o artista plástico partem para as suas criações do que se habituaram a considerar como inspiração. “Alguma coisa” lhes diz, dentro de si mesmos, que eles têm algo a expressar, a criar ou no qual se podem projetar, ainda que não se saiba precisamente o que seja isso. No nebuloso território fronteiriço, torna-se difícil distinguir inspiração de intuição, que parecem fundidas numa só atividade mental, empenhada em fazer emergir no ambiente da personalidade aquilo que a individualidade elaborou: uma dissertação, um poema, um quadro, uma sinfonia. Eis por que, ao iniciar a sua tarefa de “materializar” do lado de cá o que é apenas uma criação mental do “lado de lá” da consciência, a personalidade ainda não sabe ao certo como será o produto acabado. Tem razão, pois, Ashbery, ao dizer que escreve para saber o que será pensado. Colocado no contexto das propostas deste livro, sua observação ficaria assim: “Minha personalidade escreve para saber o que pensa a individualidade”.
Setenta e nove: Poincaré descreve, com a precisão meticulosa do cientista acostumado a observar os fenômenos, como chegou à formulação das equações fucsianas. Mozart fala de uma condição ou estado onírico, semelhante ao do transe, por meio do qual já encontrava como prontos, num só acorde, os achados musicais que lhe bastava desdobrar posteriormente, em vigília. Simonton também se revela consciente desse mecanismo que produz uma nova acomodação criativa a partir de noções preexistentes, por meio de uma transposição ou permuta de “elementos mentais” que povoam a mente e que a autora do artigo identifica como “imagens, frases, lembranças fragmentárias, conceitos abstratos, sons, versos”. Simonton aproveita o exemplo para caracterizar uma sutil diferença, ao propor que “os gênios são gênios porque produzem mais combinações renovadoras do que os meramente talentosos”. Seja como for, a evidência de um processo de elaboração inconsciente parece uma constante ou, pelo menos, figura em vários depoimentos reveladores. John Ashbery, por exemplo, informa não planejar seus escritos, declaração que me lava a alma, pois eu pensava que isto seria um defeito de escritor meramente intuitivo ou empírico como eu. É bom observar que você tem algo em comum, por mais remoto que seja, com gênios como ele. Ele prefere deixar a coisa fluir. Como não parte de um esquema preestabelecido, o que acaba obtendo é sempre inesperado, mesmo para ele. Sua frase para descrever essa condição precisa ser destacada para mais profundas meditações: “Escrevo para saber o que estou pensando”. Há, portanto, para Ashbery um dispositivo mental algo misterioso com o qual ele pensa. Para saber o que essa outra parte de si mesmo está pensando, ele precisa escrever. Não é estupendo isso? Para dizer a mesma coisa de outra maneira, é um processo pelo qual a individualidade fala ou escreve à personalidade.
Oitenta: Se entendermos a metáfora como um mecanismo de transposição simbólica – o que de fato é – estaremos igualmente sintonizados com outra faixa de pensadores entre os quais eu colocaria com merecido destaque o Dr. Carl Gustav Jung, assíduo estudioso do simbolismo no rico intercâmbio secreto que se opera no âmbito da natureza, ser humano nela incluído, claro, tanto quanto dentro do próprio indivíduo. Na mesma matéria da Newsweek, aliás, é relembrada a curiosa “vidência” introspectiva de Kekulé, em 1865, ao “sonhar” o modelo da molécula de benzeno, figurada numa cobra mordendo a própria cauda. Mais um exemplo no qual o inconsciente conversa com o consciente. Como o inconsciente não dispõe de recursos verbais, a mensagem precisa ser desenhada metaforicamente. Não seria, pois, o gênio – pergunto-me e ao leitor – aquela pessoa especial dotada de competência e experiência suficientes para interpretar corretamente as mensagens não-verbais do inconsciente? O segredo da genialidade estaria, pois, neste aspecto do processo criativo, não apenas em estabelecer a presença de mensagem simbólica, como em traduzir e explicitar verbalmente seu conteúdo metafórico.
Oitenta e um: Há, porém, traços comuns entre eles: todos eles gostam do que fazem. Mais do que isso, Begley chama a atenção para um aspecto que me parece fundamental no entendimento do mecanismo da genialidade: eles demonstram um “prazer infantil”, seja pintando um quadro, compondo uma peça musical ou pesquisando uma nova hipótese científica. Bem diz, portanto, Howard Gardner, ao declarar, segundo Begley, que a criatividade do gênio tende “a retornar ao mundo conceptual da infância”. Acho mesmo que essa observação tem profundidade e sentido mais amplos do que Gardner tenha imaginado. Não apenas é necessário, na dinâmica intelectual do gênio, viver num estado de encantamento perante aos fenômenos da natureza, como a criança é propensa a formular perguntas, não as programadas e esperadas, mas as inesperadas e aparentemente estapafúrdias ou fora de contexto. Além disso, ainda, estou convencido de que a criança tem acesso às fontes intuitivas, por não estar ainda mergulhada mais fundo nos instrumentos inibidores da matéria densa que compõe o seu corpo físico. Em outras palavras: a personalidade, ainda em formação, oferece espaço interior para que a individualidade lidere o processo intelectual. Estamos sabendo, por tudo o que vem sendo dito aqui, que a individualidade mantém as suas tomadas ligadas na consciência cósmica, ao passo que a personalidade tem de se contentar com as limitações que lhe impõe a matéria para conviver com elas. O jovem tende, naturalmente, para certa inoclastia, ou, pelo menos, se mostra menos inibido ao questionar aspectos cristalizados do conhecimento. Ele precisa ousar, ou não conseguirá produzir a mágica de obter novas combinações renovadoras com os elementos de que dispõe. Tanto mais criativos e inovadores serão os jovens e as jovens, quanto melhor conservarem a capacidade infantil de se maravilhar com as coisas, procurando explorar o mundo em que vieram nascer para surpreender seus segredos e encantos.
Oitenta e dois: Já é tempo de saberem, leitor e leitora, como e por que surge a alquimia num livro que pretende oferecer umas tantas reflexões sobre consciente e inconsciente, personalidade e individualidade, bem como sobre o encaixe de tais aspectos do ser humano no contexto cósmico da evolução.
Oitenta e três: É certo que Oman Amar al-Jahiz, falecido em 869, propôs uma hipótese, semelhante à de seu compatriota al-Masudi, segundo a qual a vida seria um processo de ascensão, “do mineral à planta, da planta ao animal, e do animal ao ser humano”. O sábio al-Jahiz antecipa Teilhard de Chardin, quase que com as mesmas palavras, em cerca de mil anos e ainda combina Chardin com o autor de A Grande Síntese, para o qual o princípio inteligente ensaia seus primeiros passos num movimento vorticoso, trabalhando com os “tijolos” fundamentais mais leves da matéria: hidrogênio, carbono, nitrogênio e oxigênio – pesos atômicos 1, 12, 14 e 16, respectivamente – com os quais construirá, ao cabo de milênios e milênios, as primeiras estruturas da matéria viva, nas plantas. Lyall Watson (p. 176) vê a alquimia dotada de dois “braços” e usa para caracterizá-los termos que fazem lembrar Teilhard de Chardin, um deles voltados para fora (o “fora” das coisas) e outro “escondido e mais interessado num sistema devocional”, ocupando-se do “dentro” das coisas. Para ele, “a transmutação mundana dos metais era apenas simbólica da transformação do ser humano em algo mais perfeito, por meio da exploração do potencial da natureza”.
Oitenta e quatro: Na verdade, Jung, como lembra Watson (p. 176), “considerava a alquimia mais como precursora da moderna psicologia do que da química moderna”. Para o enciclopédico doutor suíço, ainda no dizer de Watson, “as raízes da psicologia no inconsciente” estavam solidamente implantadas nos textos alquímicos, que ele estudou diligentemente durante mais de uma década. O leitor poderá conferir esse e outros aspectos do pensamento de Jung em Memórias, Sonhos, Reflexões, livro imperdível para quem deseja uma visão lúcida dessas complexidades ideológicas.
Oitenta e cinco: O meio mais insistente de comunicação eram os sonhos. São numerosos, constantes, pejados de sentido metafórico, enfeitados de simbolismos visuais ou puramente mentais marcados por enigmas que lhe cumpria decifrar ou ser devorado, como ameaçava a esfinge. Às vezes eram vozes mesmo, inaudíveis para qualquer outra pessoa, mas articuladas e claramente percebidas por ele. Parece que, em certos momentos de maior exaltação, em transe anímico, a individualidade conseguia vencer as barreiras impostas à comunicação interna e, literalmente, falar com a personalidade de Jung. Entre 1918 e 1920 tornou-se claro para ele que “a meta do desenvolvimento psíquico é o Si-mesmo” (p. 174), como resultante eventual de um diálogo aberto com o inconsciente. Era de lá que vinham as orientações e a sabedoria acumulada durante suas pregressas vivências. Entendeu que a aproximação àquela parte mais nobre e mais ampla de si mesmo “não é linear, mas circular, isto sim, circum-ambulatória”. Atingira, nesse estágio, “a expressão de si mesmo”, o que considerava uma nova mandala. Daí em diante ficou claro o seu objetivo para a vida, como está dito mais adiante (p. 182): “o de penetrar no segredo da personalidade”, que eu poria aqui como desvendar o mecanismo do intercâmbio personalidade / individualidade.
Oitenta e seis: Deve-se, ainda, assinalar que o texto chinês traz a informação de que “o objetivo da alquimia… era o de produzir um corpo etérico conhecido como corpo de diamante” (p. 414). Ponho aqui, mais uma vez, minha própria interpretação, ao sugerir que isso corresponderia a uma total purificação da individualidade, ao cabo de longuíssimo roteiro de aprendizado e correções de rumo, que passa, necessariamente, pelos processos da natureza, como o diamante, carbono puro que se cristaliza em um dramático processo de depuração pelo fogo a altíssimas temperaturas. Segundo o relato de Wilson, a meta da purificação proposta pelo tratado chinês é alcançada por “uma transferência dos nossos propósitos e impulsos do ego para os domínios da pura impersonalidade”.
Oitenta e sete: Entende-se, por isso, o quanto foi importante para Jung o encontro com a alquimia. (Eu diria reencontro.) Ele identificou prontamente nas estruturas do pensamento alquímico a simbologia que a caracterizava como um processo de interpretação do universo, na dinâmica do qual mente e matéria interagem, mas é a mente que comanda e impõe, ainda que pacientemente, suas diretrizes evolutivas, desde que, como vimos em A Grande Síntese, começam os primeiros ensaios nos chamados “motos vorticosos”.
Oitenta e oito: No seu “Texto e comentários…”, Richard Wilhelm lembra, em consonância com Jung, que “as designações alquímicas tornam-se símbolos de processos psicológicos…” (p. 88) e que o ser humano “participa por sua natureza de todo acontecimento cósmico e está entretecido a ele, interna e externamente” (p. 91), o que faz apresentar-se bipartido à vida, com “o pólo luminoso (yang) e o pólo obscuro (yin)”. Como também o texto de Wilhelm encontra-se a disposição do leitor brasileiro, na tradução referida na bibiliografia, passemos logo a O Segredo da Flor de Ouro.
Oitenta e nove: O livro chinês apresenta-se como um compacto de ensinamentos do mestre Liu Dsu, que caracteriza o Tao como “ser uno, o espírito originário e único”que, ao mergulhar na matéria, divide-se em dois. “Assim que o toque da individuação entra no nascimento” – diz Liu Dsu (p. 99) – “o ser e a vida dividem-se em dois”. Não que se separem para sempre os dois pólos, mesmo porque ficam lado a lado, tendo entre eles o “campo de uma polegada da casa de um pé”. Ao que parece é atuando sobre esse ponto que se pode obter a reunificação da dualidade, mesmo ainda em vida terrena. A casa que mede um pé é tida como o rosto da pessoa. Eu arriscaria dizer que é, antes, o crânio, já que o local designado como de uma polegada é o espaço entre os olhos, precisamente onde se acha o chamado “terceiro olho”. É ali, no dizer do livro, que “mora a magnificência”, ou “a passagem escura”, pela qual o ser pode articular-se lucidamente com “o verdadeiro ser… o espírito originário”. Fundindo e misturando as duas metades do ser, “passaremos através do desfiladeiro”. O texto chinês faz, portanto, uma clara distinção entre o que identifica como “espírito originário” e o “espírito consciente”, o que, na terminologia dos instrutores da codificação espírita, ficou sendo espírito e alma. A reunião do que estava dividido se consegue por um movimento circular iniciado a partir da aquietação dos sentidos. Trata-se, no meu entender, de uma interpenetração esquerda / direita, alma / espírito, consciente / inconsciente. “Os olhos” – informa o sábio (p. 101) – “impelem a luz ao movimento circular como dois ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua força”.
Noventa: Mais do que isso, os chineses ensinavam que a felicidade suprema do Tao só poderia ser alcançada quando a anima (espírito) subjugasse o animus (alma), mesmo porque a natureza desta “é a do obscuro” em virtude de estar “presa ao coração corpóreo e carnal” (p. 102). A “prática dessa alta magia” – informa-se mais adiante – consiste, portanto, em “dirigir-se para o ponto em que o espírito modelador ainda não se manifestou”, a um “estado isento de polaridade” (p. 121), ou seja, buscando retornar ao que a entidade era antes que a encarnação a dividisse em duas. Como o texto chinês também usa imagem semelhante à da câmara nupcial dos gnósticos, parece que a reunião das duas manifestações do ser seria meta suprema e conceito comum às duas correntes de pensamento. “É como se homem e mulher se unissem e houvesse uma concepção” – diz O Livro da Flor de Ouro (p. 105).
Noventa e um: “Mediante a concentração dos pensamentos, podemos voar; mediante a concentração dos apetites, caímos”. Se, portanto, em vez de trabalhar para elevar a alma ao nível do espírito, procurarmos arrastar este para o nível da alma, estaremos nos afastando cada vez mais das metas alquímicas da transmutação pessoal. Para isso não é necessário – diz Liu Dsu (p. 123) – “abandonar a profissão habitual”, mas aprender a lidar com os afazeres da vida material sem neles se envolver demais. “Quando, mediante pensamentos corretos, os assuntos são postos em ordem, a luz não é manipulada pelas coisas externas, mas circulará segundo sua própria lei”.
Noventa e dois: A convivência com a matéria não precisa, portanto, assumir as proporções de um confronto e nem as características de uma acomodada entrega, mesmo porque ela foi provida de espaço para a movimentação de nosso psiquismo. Exatamente, como disseram os gnósticos, isto é, que a matéria não precisa ser amada nem temida. Cabe reiterar aqui a observação de A Grande Síntese, ao declarar enfaticamente, primeiro: que “a matéria, ainda mesmo chamada bruta ou inerte, vive, sente, e pode plasmar-se e obedece, desde que atingida por uma ordem profunda” (p. 48); segundo: que “também na ciência há zonas sagradas, das quais ninguém pode aproximar-se sem o sentimento de veneração e sem a prece” (p. 182); terceiro: a conquista de novo patamar de consciência implica, necessariamente, uma alteração qualitativa que a obra caracteriza como mudança de dimensão. Eis porque vejo no modelo evolutivo pontos críticos nos quais, sem dar saltos, a vida nos coloca diante de mutações alquímicas, ou seja, provocadas por algo que ao mesmo tempo está em nós e nos transcende. Não é algo fora de nós que se acrescenta, mas aspectos ocultos de nós mesmos que, de repente, por alguma razão se revelam e nos projetam numa nova dimensão do ser, em novo patamar de percepção e, portanto, de aprendizado e maturação.
Noventa e três: Em “O livro da consciência”, incluído em O Segredo da Flor de Ouro, há uma introdução que assim diz: “Se você quiser concluir o corpo de diamante sem nenhum desperdício, aqueça diligentemente as raízes da consciência e da vida. Acenda a chama luminosa no sagrado território ao lado e lá, abrigado, deixe seu verdadeiro eu habitar para sempre”. O que primeiro se percebe é que o corpo de diamante de alguma forma já existe e está em processo de elaboração, porque o texto fala em concluí-lo e não em fazê-lo. Recomenda que ele seja elaborado na medida certa, sem desperdícios nem de tempo, nem de oportunidades ou conhecimento. É preciso, ainda, que se vá buscar no silêncio cósmico as fontes da vida e da consciência para aquecê-las ao coração. Para isso é necessário agir com diligência e buscar a iluminação que está ali mesmo, ao alcance de todos nós, ou seja, no chamado inconsciente, na individualidade, no espírito.
Noventa e quatro: Encontramos, no material consultado para a elaboração deste estudo, numerosas referências a certo grau de psiquismo na matéria densa, a partir dos cristais. Abaixo dessa linha divisória, mais uma gradação do que um limite, a matéria se apresenta a matéria se apresenta em espaços rigidamente demarcados por campos magnéticos, dentro dos quais se movimentam a velocidades vertiginosas as partículas de energia que compõem cada corpo dito sólido.
Noventa e cinco: Cientistas e pensadores contemporâneos, familiarizados com a física quântica, estão reformulando antigos conceitos e propondo uma visão mais inteligente e aberta, não apenas de nós mesmos como de nossa posição no universo. O Dr. Deepak Chopra, médico de origem indiana, residente nos Estados Unidos, informa em Ageless Body, Timeless Mind, que o ambiente em que vivemos é uma extensão do nosso próprio corpo. “A cada vez que respira, você inala centenas de milhões de átomos de ar exalados ontem por alguém na China”, ensina ele (p. 27). A cada momento, pois, estamos, segundo o Dr. Chopra, “fazendo e desfazendo os nossos corpos” (p. 41), o que o leva a concluir que o corpo é um processo, não um objeto estável. Isto significa que ainda somos, basicamente, aquele vórtice inicial de consciência dentro do qual circula a matéria, ou melhor, movimentam-se partículas intelectualizadas de “luz coagulada”.
Noventa e seis: O que importa é suscitar em cada um de nós aquela mutação alquímica da mente, de que falamos alhures. Para isso, não é necessário nenhum processo mágico de iniciação mística. Basta fazer calar o tumulto em torno de nós e a estática interior a fim de nos ser possível mergulhar em nós mesmos os sensores de percepção de que fomos dotados. A resposta está em nós, não “lá fora”. “O reino de Deus está dentro de vós”.
Noventa e sete: Temos falado muito aqui em ser e estar, permanência e transitoriedade e, por isso, achei conveniente esclarecer um aspecto mais relevante do que poderia parecer à primeira vista. É que permanente é o processo das leis cósmicas que representam o pensamento daquele que, sendo incriado, é eterno e, portanto, imutável. Mas permanência não é sinônimo de imobilidade, de inconformismo, de inação. E tudo no universo se move e evolui.
Fim: Dou por encerrado aqui esse processo de colecionar e transcrever passagens sensíveis do livro “Alquimia da Mente” de Hermínio C. de Miranda. Propus-me a esta tarefa porque eu senti que precisava, de alguma forma, trabalhar com essas ideias ou, quem sabe, aspirar um sopro de vida. Creio que consegui cobrir a essência do que foi tratado no livro ao longo dessas 35 páginas (de um total de 315 páginas do original). Este documento é, portanto, um resumo com taxa de compressão de 11% (=35/315). Se você chegou até aqui, espero que a leitura tenha sido uma aventura revigorante, assim como foi para mim. Este texto é dedicado aos meus filhos Gabriel e Davi. O arquivo pdf para o download gratuito pode ser encontrado através do link abaixo.
https://jorgexerxes.files.wordpress.com/2018/03/fragmentos_de_consciencia.pdf