O mundo vibra, treme. Estremece. E nestes movimentos de oscilação… Também os corpos tremem. Sofrem, estremecem.
Diante do abalo destas forças, que de fora pressionam e transformam em medo, dor e dúvida toda a humana carne. Pesar e murmúrio engessam, solidificam, cimentam todo sorriso, todo leve movimento.
Mas perante uma vida sem luz, nem música, arte ou cultura…
Apesar da intenção do tiro, do disparo de fogo e chumbo. Metafórico ou real…
Apesar da intensa raiva de tudo rotular, identificar e docilizar…
Apesar da palavra de ordem, que sem moral nem ética distorce, contorce e retorce qualquer tentativa de verdade…
Apesar das pedras que voam contra a diferença dos corpos. Corpos rebeldes que não se ajustam ao gosto da palavra opressão…
Apesar da falta insistente de mãos que acolham, de mãos que aplaudam…
Ela levanta-se.
Por detrás de qualquer vírgula da cansada oração. Do singular texto da vida. Uma vírgula é um espaço de respiração, breve pausa.
Não sabem de onde veio… Dizem que surgiu das reticências.
E no levantar do corpo. Pequeno corpo verbal. Oração afirmativa em um mundo espremido por sentenças negativas, por períodos de barbarismo imperativo e milhares de orações interrompidas, levantou também os olhos cansados de vários outros textos em seus definitivos pontos finais.
Textualidades reprimidas, expressões abatidas. Sujeitos simples demais. Ocultos por opção e receio. Indefinidos e perdidos sobre a tutela da grande gramática nacional. Sob o peso normativo dos didáscalos do poder.
E dos que olhavam. Eram olhos sem brilho. Janelas de nada. Mas na continuidade da vírgula… o passo titubeante, um giro encabulado…um quase tombo artístico. Um sorriso bailarino esbofeteou o rosto amorfo , o gosto enfadonho de tanto rosto.
E era uma bailarina. Só uma. Uma professora bailarina. A conjunção “E” que se prolongava. Tinha de haver mais alguma coisa!
O “E” impulsionava o texto e a oração. “Não parem!” gritava o delirante “E”.
“E o quê?”
“E aí?”
“E então”
A conjunção-bailarina girava, girava e não parava. Todos olhavam atônitos. Agudos e tônicos.
Como podia mover o corpo tão ágil e tão fácil diante de tantos pontos finais? Diante de tantas análises sintaticamente perversas, de tantas análises morfologicamente injustas?
Como sorrir pressionada sempre por tantas regras e ameaças de pela borracha deixar de existir. Palavra memória no papel da história que se incendeia?
Como bailar sob o risco reto e mortal da caneta Bic, disfarce medíocre da mesma tinta que escreve sempre a mesma história? Sempre a mesma letra. Sempre?
Então ela parou.
Repentinamente em pose de pedra e silêncio. Viva, a modelo estava estática.
Um enorme “E” no meio de tanta gente, de tanto texto, de tanto verbo.
E então a revolução. No canto distante uma oração desgarrada sem força graça ou sentido abriu os braços e em salto aeróbico, literário, filosófico, artístico… com os pés traçou no nada um risco. Uma linha. Uma linha de dança, uma linha de fuga.
E dançou.
O corpo como que carregado de energia nova, em pliés, tendus, jetés, rond de jambés, fondus, frappés, grand battements, adágios e en dehors.
E o corpo de pontos que se finalizavam agora retomava. “E” continuava. O pequeno ponto era arremessado para cima e para baixo em ondas, círculos, lançamentos. O ponto final era capturado com os pés em giros fantásticos…e já não era mais o ponto final, era a conjunção “E”.
E a dança. E o bailar se fazia epidemia em corpos febris que vibravam e em linhas que redefiniam o ser.
Ser bailarina já não era ser uma identidade, um nome. Ser bailarina era agora, o esforço de SER. Qualquer ser…
E em papel e grafite o corpo enigmático da bailarina foi se reconfigurando, transformando. Não era mais um. Era multiplicidade. Corpos que se percebiam livres de qualquer estética. Bailarinas vivas que se formavam nos interstícios do papel e da vida.
E todos dançavam e todos redesenhavam. E todos se sentiam mais fortes. E todos eram belos. E todos eram força.
E ainda estática, pedra, a bailarina-esperança moveu um dedo, logo a mão… E em seguida em movimentos nada sincronizados estava entre todos. Em todos. Vibrando corpos e ideias.
Uma revolução havia começado. Epidemia de arte, literatura e filosofia pelo corpo de uma pequena bailarina surgida por trás de uma vírgula…
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Taubaté recebeu personagem da série “O Conto da Aia”
Bem vindo de volta Ronie Martins, estávamos sentindo muito a sua falta…Poste mais, gostamos de ler. Grande abraço!