A MULHER SEM NOME
Certa vez, alguém tocou a campainha de minha casa. Fui atender e deparei com uma mulher de meia idade, loura, esguia, muito bonita. Perguntei-lhe o que desejava e ela respondeu que gostaria de conversar com minha mulher.
– A quem devo anunciar? – perguntei.
– Não sei, ela respondeu.
– Não sabe? Não estou entendendo, minha senhora.
A resposta veio com voz pausada e educada:
– Não sou uma mulher, nem uma criança, tampouco um senhor, muito menos o gari ou o carteiro, sequer o vizinho.
Aquilo tudo me soou muito estranho. Convidei-a a entrar, sentar-se e aguardar minha mulher, que naquele momento estava no banho.
Morrendo de curiosidade, voltei ao assunto. Perguntei-lhe o nome, estado civil, profissão, num tom de voz irônico e atrevido. A resposta veio rápida e incisiva:
– Meus números de RG e CPF, sexo, ocupação, nacionalidade, estado civil e demais formalidades, servem apenas para me identificar aqui no mundo físico. São apenas rótulos, nada de mais importante. Mas, não são eu. Sou muito mais que tudo isso. Aliás, todos nós somos.
Espantado com o que ouvi, exclamei:
– Sério, mesmo ?
– O ser humano é mais do que alguém que tem funções, que representa esse ou aquele papel. É um ser independente de todas essas aparências externas. Ele é ele mesmo, uma essência que subjaz a todos esses rótulos. Infelizmente, vive escravizado por clichês que o mundo lhe impõe. Assim, tudo o que o senhor pensa que sou, eu não sou. E o que sou, nem eu sei. Sei apenas que sou.
– A senhora acredita mesmo em tudo isso que está dizendo ? – retruquei cada vez mais intrigado.
– Senhor, a questão não é acreditar, porém sentir, saber intuitivamente que é assim. Essa percepção da realidade da vida, de quem sou , ela simplesmente apareceu e ocupou lugar na minha consciência. Não é o resultado de estudos, pesquisas, experiências físicas ou metafísicas. Ter uma profissão, um nome que consta em documentos, patrimônio, é mera formalidade, própria deste mundo dialético. O problema é que o ser humano se identifica com tudo isso, incapaz de separar essas duas realidades. Talvez porque lhe ofereçam uma ilusória sensação de segurança.
– Mas, a própria realidade não diz que somos tudo isso ? – perguntei, já meio encabulado com essa conversa tão estranha.
A resposta veio num piscar de olhos:
– Vivemos num mundo em que todos querem ser alguma coisa, menos a si próprios. E quando nos recusamos a ser nossa verdadeira essência, criamos ilusões sobre o “Ser”. Assim, vivemos no “ter”: temos um nome, uma família, uma profissão, propriedades. Mas, realmente somos o quê, quem ?
Tentei entender tudo aquilo, mas, confesso, não era fácil. E a misteriosa mulher continuou :
– Esse processo de autoconhecimento pode ser comparado ao trabalho de um escultor, que retira do material tudo o que não pertence à imagem que pretende produzir, para trazer à tona o verdadeiro, o essencial. Uma camada após a outra é removida, até chegar na essência, na verdadeira obra de arte. Somos uma verdadeira obra de arte.
A essa altura, minha mulher entrou na sala. Deixei as duas conversarem e me retirei para preparar-lhes um cafezinho.
Quando retornei, aquela figura singular já havia se retirado. Perguntei à minha mulher o que realmente ela queria. Aí fiquei sabendo que o objetivo da visita era conhecer os detalhes de uma experiência vivida por minha esposa há muitos anos, nas proximidades de Paraibuna. Na ocasião, ela teve a oportunidade de presenciar um objeto voador não identificado, todo iluminado, fazer manobras incríveis no céu escuro de uma madrugada de inverno.
Cada vez mais intrigado, perguntei:
– Como ela soube de algo que você relatou a pouquíssimas pessoas e mesmo assim pediu total sigilo a respeito ? E, afinal, qual é o nome dela ?
– Como você é insistente ! -bradou minha mulher. Ela não tem nome. E qual é o problema ?
Por Gilberto Silos