Um Dedo de Prosa Sobre Poesia
Pouco antes do Natal estive no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, para ver a exposição Chiharu Shiota/Linhas da Vida. Aproveitei para saborear um capuccino na cafeteria do local. Ao meu lado sentou-se um rapaz, aparentando pouco menos de 40 anos.
Cumprimentamo-nos, apresentamo-nos e iniciamos uma conversa sobre cultura de um modo geral. Ele, professor de literatura num colégio paulistano, lançara, recentemente, seu segundo livro de poesia. Daí, então, nosso papo girou sobre poesia.
Eu lhe afirmei ser um apreciador de poesia, porém, confessei-lhe que tecnicamente sou leigo no assunto. Viajo em suas asas, sem conhecer sua teoria.
Curioso, ele me perguntou sobre o que a poesia representa para mim, que impressões ela me causa, qual seu efeito transformador em minha visão de mundo e coisas do gênero. Respondi-lhe, sem muito pensar, quase intuitivamente, que a poesia me ajuda a suportar os impactos dessa barbárie que assola o mundo. Ela torna mais leve esse cotidiano pesado e estressante que compõe a vida das pessoas. E, misticismos à parte, me desacelera e faz penetrar além do espaço-tempo, numa dimensão mais etérea. É, ao mesmo tempo, terapeuta e exorcista.
Ele, por sua vez, falou da arte poética como uma forma de resistência à desumanização que essa sociedade utilitarista nos impõe. Sob esse peso opressivo o homem contemporâneo vive em função de comportamentos, objetivos, resultados, que o obrigam a ser pragmático e insensível a tudo que o rodeia. Inclui-se aí a família, os amigos, o outro, e a beleza em todas as suas manifestações. Indo mais longe, afirmou que a poesia é uma ameaça ao poder vigente estabelecido porque oferece ao ser humano a oportunidade de modificar sua visão de mundo. Isso, em grande escala poderia promover uma revolução branca e transformar a sociedade. “Não é estranho”- disse ele – “que muitos desdenhem da utilidade da poesia e até amaldiçoem os poetas”.
A conversa fluía muito interessante quando alguém dirigiu-se ao meu interlocutor e o lembrou que estava atrasado para um compromisso. Saindo rapidamente, desejou-me um feliz Natal e se despediu. Qual é mesmo o seu nome? Não me lembro mais. Ele me causou uma ótima impressão e deixou a certeza de que ainda há vida inteligente e sensível neste mundo.
Por Gilberto Silos