Nunca tão sujeito. A casa foi ou era. Mero espaço de cama e mesa. Para alguns mais cama, outros mesa.
A casa. Espaço de passos curtos. Espasmos, soluços… Mas breves pois que a rua chama e apela.
O espaço da casa dividido. Lugar por enquanto. De dormir, de almoçar. De jantar.
Do descanso o terreno. Pleno, corpo que chega imenso, corpo de rua, corpo da rua, do trabalho, do lazer. Corpo repleto de foras.
Mas agora não.
Não agora. O momento é da casa absoluta. Tudo é casa, o tempo é a casa. Os passos são a casa. O corpo de carne que se debate em uma janela e outra é a casa.
A casa devora a vida e a carne.
Somos os vermes da casa, as bactérias da casa. A casa é o sujeito, dentro, devorados por ela… Somos… a impaciência, a dor, a revolta, a indignação.
A casa sorri para nossa angústia. E nos abraça benevolente…
Queremos sair. Fugir. Mas ela sabe. Também sabemos. A rua é o veneno agora. A casa é o antídoto. É fácil?
Claro que não. Os braços/paredes que nos abraçam, também nos sufocam… e como formigas, como sonâmbulos brincamos de mudar a casa.
As cores, os quadros, as flores. Aqui, ali, assim, assado. Junto, longe, perto, encostado, pendurado, equilibrado… As coisas da casa flutuam, se posicionam, sem compõem com os sentimentos do corpo. Alegria, um vaso aqui. Tristeza, lá o vaso. Na cama o livro, a pipoca, a TV, o cobertor, o celular, o gibi, um jogo. O despertador ainda grita toda manhã. Assim a casa determinou. Pra marcar a continuidade do tempo. Lembranças de uma outra vida. E a cozinha, e os bolos, e salgados…a comida da casa tenta angustiada transformar-se em motivação, em força, em esperança…mas é só gordura, açúcar e droga para o corpo. Então o corpo salta, se agacha, levanta cadeiras, pesos, pendura-se… o corpo tentando buscar a maldita forma ideal que não existe. E que é só cansaço, só esforço. A casa observa o pobre corpo.
Os discursos se intensificam. Vozes se apoderam, justificam, exemplificam… Como bolinhas de pingue-pongue ricocheteando nas paredes…
Os filmes, as séries devoradas e vomitadas doentiamente. Diariamente.
Mesmas portas e janelas fechadas. Frestas para o perigo da rua.
Sonhos e delírios. Correr nu pelas ruas. Latir como um cão pra lua. Saltar todos os muros e mergulhar no rio, gelado, profundo e correr pela areia da praia congelado… E rindo e louco e satisfeito, e totalmente demente.
Mas então a casa te acorda. Mais uma vez. É o banho, o trabalho virtual, o almoço, o café, o discurso, a tv, o filme, o café, a noite…
Mas a casa é bondosa. E sabemos disso.
O abraço é maternal, cuidadoso, amoroso… Mesmo que sufocante.
“O perigo está na rua meu filho… fica mais um pouco…”
Sussurra a casa…
Ronie Von Rosa Martins 28/06/20 – pandemia
Fabuloso!!como tudo q escreves!!
Obrigado!!!
Maravilhoso!!como tudo que escreves!!