Há um mundo que não é mais. Não é mais o mesmo. O mundo. Aquele de sorrisos e dores conhecidas. Não. Não é mais o mundo. É outro. É um mundo distante ainda. Da janela. É um mundo pela janela.
O olhar se alimenta desse mundo, mais do que qualquer coisa. Procura no mínimo. Vê o que antes nunca viu. O olho agora é lanterna potente. Para alguns. Para outros não. Sem luz. Olho sem sol. Mesmo na janela ardente. Para alguns até mesmo o olhar murchou.
O mundo sempre foi perigoso. Mas o corpo enfrentava os perigos. No corte, no soco, no tombo… o corpo enfrentava as malvadezas do mundo… Presente. Ele estava lá para vencer ou perder. Atuante.
Neste novo mundo o corpo recua. Esconde-se. É invisível o inimigo. E não há o que fazer contra ele. O corpo perde, morre se extingue. Resta ao corpo o refúgio das janelas. E dos olhos nas janelas.
A rua é única e simplesmente a rua. Pedras, casas, um cão feliz que passeia. Poucos carros. A rua é um silêncio que dói e atravessa a janela. Um silêncio que agride que busca a vida. Pela janela.
O cão perambula feliz nesse mundo estranho. Os pássaros não precisam de janelas. E seus movimentos causam inveja ao corpo e aos olhos presos pelas janelas.
O verde livre dos pés, das rodas, do veneno… Abanam para as janelas. O vento desse novo mundo é arriscado. Mas todos dariam um mês de suas vidas para correr e abrir os braços e voar. Ser pássaros. Pássaro sem pedra nem gaiola.
Atrás da janela somos pássaros. E é triste ser cativo e cantar.
O som das casas não para. Os filmes não param as lives não param. Uma tentativa de enganar-nos que ainda temos movimentos. E temos. Temos um movimento estranho e compassado. Quase ritual. E buscamos no desespero e na monotonia algo que nos de as asas do pássaro que se perde do olho. Longe os pássaros.
Pelas janelas os vultos se abanam constrangidos. “tudo bem?” e os sorrisos tentam modificar as faces. Duras faces.
A vida exubera. Toda a vida que não é humana. A humana espera. Espera para ver o estranho mundo que à espera.
Os livros se amontoam, uns lidos outros modificados de lugar. Ler não é fácil, sorrir não é fácil, respirar não é fácil nesse mundo.
O corpo é a casa. Os olhos brincam de ser o corpo pelas ruas. Percorrem esquinas ajudados pela memória, pelo costume… entram nas padarias, nas lojas, no mercado. Fechados os olhos veem muito mais. O mergulho pelas imagens que ficaram é muito mais profundo.
E pela janela fechamos os olhos para ver o que éramos o que fazíamos. Alguns avaliam, questionam. Outros inclusive juram fazer tudo diferente. Outros, ajoelhados, rezam pra tudo ser como antes. Mesmo o Antes não ser ideal, ser injusto e cruel. Outros ainda esperam mais justiça e igualdade. O mundo se regenera, se transforma, vibra na esperança e na dor de todos. Sismicamente o planeta modifica suas leis gerais, deixando claro que somos apenas mais uma espécie. Não a mais importante, não a melhor. Somos apenas mais um tipo de vida diante de tanta vida.
Somos pequenos, as janelas nos dizem isso. Somos pequenos, nossas misérias nos afirmam isso. Mas somos vida. E a vida é um elemento em eterna transformação. Esperemos que quando as janelas abrirem-se, quando as portas forem finalmente abertas…. Outras criaturas surjam para ver os pássaros e os cães.
Gente mais livre e feliz como os pássaros, gente mais simples como os cães.
Ronie Von Rosa Martins
Viva os escritores vivos ! Acho que é a melhor definição deste momento em que vivemos. Grato hoje pela manhã eu não me suportava e andei andei andei de bicicleta. Não somos apresentadores de TV e de canais no yotube. Para sermos simpáticos o tempo todo. Sei que precisamos ter empatia. Nosso fracasso enquanto civilização é enorme. Um vírus pode exterminar a espécie desumana.
É verdade João. Sabe, eu achava que nos períodos mais tensos da história e das nossas vidas, nossa verve literária sairia pelo mundo, raivosa e criativa, revoltada e violenta, gritando e empunhando bandeiras… comigo foi diferente. Me ví, subitamente, tão estupefato com tudo que acontece, aconteceu e ainda vai acontecer que me recolhi a uma grande frustração. Parei de escrever… como se minha indignação fosse tão grande que tivesse extinguido qualquer outro espaço para outra atividade. Estou voltando…aos poucos… pelas frinchas das janelas… pelas frestas desse nosso mundo tão estranho. Viva nós que vivos ainda resistimos. Abração.