Bruno Ishisaki Cultura Popular

Comentários sobre o folclore joseense #4: o limite territorial entre Sunzé e o Tocantins

Pelo estrondoso sucesso do artigo anterior, sinto que o joseense está cada vez mais interessado nas temáticas sobrenaturais relacionadas à cidade de Sunzé. Foram numerosos os relatos que chegaram até mim, pertinentes ao tema da magia e motivados por dúvidas e questões relacionadas ao texto #3. Mas o que mais me chamou a atenção foi a reincidência de diferentes pessoas sobre um mesmo tema: o dos portais para outras dimensões.

É sabido que São José dos Campos é pródiga em artefatos e localidades com aberturas para outras dimensões. Sei, por experiência própria, que a maior parte das dimensões em aberto na cidade não são tão perigosas. Contudo, os relatos que me foram confiados revelam outra realidade. Um deles, em particular, me chamou a atenção, e eu o comentarei a seguir.

Obviamente, alguns vêm me confrontar dizendo que invento essas coisas do nada. Então, para o bem desses supostos contestadores, me sinto no dever de fundamentar bem os conhecimentos a seguir, e farei isso apoiado na tradição popular, na voz do povo e nas transmissões orais. Alguns de vocês devem se lembrar que era corrente, na primeira década do século XXI, a expressão “lá onde Sunzé faz limite com o Tocantins“. Essa expressão era utilizada para ilustrar algo que ficava muito longe na cidade, um substituto para a expressão “lá onde Judas perdeu as botas”. Quando eu era um jovem mancebo, morava no final do bairro Bosque dos Eucaliptos, considerado “longe” na época; então quando alguém me perguntava onde eu morava, eu dizia: “lá onde Sunzé faz limite com o Tocantins“. 

Sabemos, de fato, que o único estado que faz limite com a cidade de São José é Minas Gerais. Mas será que esse conhecimento é absoluto? Será que podemos nos apoiar nesse saber com tanta segurança?

Voltemos então para a década de 90, tida por alguns folcloristas como a “Época de Ouro do Folclore Joseense”. É nessa época que se situa a história de Jurumeu (utilizaremos um nome fictício para preservar a identidade do homem que passou por essa experiência). Em 13 de Maio de 1994 Jurumeu caminhava de madrugada pelo bairro de Santana, após retornar de um evento performático/festivo na Fundação Cultural (o conjunto desses eventos ficou conhecido posteriormente como Le Grand Rendezvous). Jurumeu estava exausto, satisfeito, fustigado e combalido, e caminhava sem muita atenção pelas ruas do bairro, muito pouco iluminadas naquela época.

Jurumeu não sabe dizer exatamente como ocorreu: seu relato diz que tudo aconteceu em algum ponto da Rua Raul Ramos de Araújo. O que ele narra é que, subitamente, ele se viu em uma rua larga que se estendia amplamente no horizonte. Na placa, estava escrito: “Avenida Juscelino Kubitscheck”. Ao olhar para trás, a Raul Ramos de Araújo havia desaparecido, assim como o conhecido bairro de Santana.

Jurumeu relata ter passado o restante da madrugada sozinho naquela rua. Ao amanhecer, as ruas começaram a ser tomadas de gente. Jurumeu perguntou aos passantes sobre aquele lugar, e foi informado que estava em Palmas, no Tocantins. Houve uma comoção severa para Jurumeu retornar a São José dos Campos: depois de pedir ajuda a inúmeros transeuntes, ele conseguiu convencer um dos moradores a deixá-lo usar o telefone para fazer uma chamada interestadual. Familiares de Jurumeu se mobilizaram para organizar uma viagem de carro para buscá-lo no Tocantins. Jurumeu ficou dois dias fora de casa, desabrigado e com apenas dois reais no bolso para bancar suas despesas com alimentação.

Passados os dias, Jurumeu tentou voltar à sua vida normal. Na semana seguinte, houve outro Grand Rendezvous. A leve embriaguez que caracterizava esses encontros encorajou Jurumeu a relatar sua história, que foi recebida com risos e anedotas por parte de seus parceiros e amigos íntimos. A partir daí, uma piada interna se estabeleceu entre os participantes do Grand Rendezvous: toda vez que alguém falava de algo que ficava muito longe, usava-se a expressão “lá onde Sunzé faz limite com o Tocantins“. Foi questão de tempo até a expressão se espalhar pela cidade toda.

Jurumeu entrou em depressão e a crescente letargia desse estado gradualmente o impossibilitou de participar ativamente dos Rendezvous. Aos poucos, ele se tornou um pária da cultura joseense. A última atividade pública de Jurumeu foi como sideman da banda de acompanhamento do lendário performer Carlinhos Carnavalesco no carnaval de Monteiro Lobato do ano de 2002. Manteremos sua atual localização em sigilo. Contudo, vale mencionar que atualmente Jurumeu raramente sai de casa ou tem interações sociais. Pode-se dizer, de forma irônica, que ele mora em uma região longínqua do centro da cidade, e não seria inapropriado apontar que fica, ao menos metaforicamente, “lá onde Sunzé faz limite com o Tocantins“. 

Veja então, caro leitor, que o assunto é mais sério do que se pensava: não é somente o caso de se valer de uma expressão popular, mas das consequências das histórias que acompanham a expressão na vida das pessoas. Especula-se que Jurumeu tenha encontrado um portal, porém não um portal para uma dimensão extra, e sim um que transporta o usuário para outra localidade dentro de um mesmo universo 3D (a prova disso é o fato de seus familiares terem ido buscá-lo em Palmas). 

No próximo texto, apresentaremos um relatório parcial concernente a relatos sobre portais interdimensionais no CTA, bem como a relação destes portais com a possível chegada, em São José dos Campos, de corpos e materiais estranhos trazidos pelo exército com procedência vinda da cidade de Varginha. Até lá, busque conhecimento.

 

 

 

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