“Sem Roupa” – Renato Vieira
1ª Edição – Gráfica do Patronato Ltda – Resende – RJ
Estava passeando na casa da minha amiga Luzia, quando ela me passou um livreto de poesia. Desses amarelados e quase artesanais – iguais aos nossos poetas companheiros, que destilaram o verbo em páginas à mão; em desenhos quase rupestres; em letras Olivetti, em gráficas amigas; em divulgações de lábios a ouvidos; em leituras de prazer e contentamento indescritíveis, mas “quase escrevíveis”. Comecei a ler e fiquei deslumbrada com o conteúdo e mais ainda com o nome da cidade da minha amiga e do autor: Heliodora
Heliodora, nome belo e sonoro como as poesias de Renato Vieira, esse é o nome do poeta. E o livro: “Sem Roupa”
Espero que o Entrementes alcance a essência desse ser Heliodorense (ou Heliodorano?) para que entre em contato com a Nave Joseense. Enquanto ele não se manifesta, coloco aqui o mundo mágico dos seus poemas, para a sorte e deleite do mundo.
O meu desejo ao ler esse livro, era colocar todos os poemas, pois são cativantes e bonitos. Li, reli e compartilho com todos as palavras derramadas por alguém que nem conheço, de uma cidade com nome incomum e que nunca tinha ouvido falar e nunca fui. Os poetas são seres iluminados e semelhantes em qualquer tempo ou lugar. Reconhecem-se pelas palavras que encantam e pelo brilho de serem complicados, estranhos, belos, contraditórios e sensíveis as causas humanas. Mas o poeta permanece além do tempo e espaço.
Sabemos que não somos mais do que crianças, quase inocentes. A curiosidade nos levará a Heliodora?
***Depois da publicação desse post no Entrementes, algum tempo atrás, um cidadão de Heliodora entrou em contato e nos deu algumas informações. Renato Vieira havia perdido seu corpo físico há muito tempo e realmente era uma figura ímpar em sua cidade. O senhor Waldir José Ferreira nos enviou o único áudio que restou da música com a voz do Poeta Renato Vieira e também nos enviou uma imagem dele. Foi emocionante conhecer um pouco mais de uma pessoa tão fascinante.
Deixo no final, o áudio da música do Renato Vieira e também alguns vídeos feitos pelo senhor Waldir José Ferreira, sobre a encantadora cidade de Heliodora.
Elizabeth de Souza
O Prefácio do Livro:
Os poemas de Renato Vieira
Sem Roupa
Está no meu corpo
A beleza despida igual
Que me pipoca em estouros.
Estouro de boiada.
Cavalo doido – Cavalo inteiro.
Céu no cio mordendo minha nuca cosquenta.
Refazendo-se morena.
Pelada.
Um cheiro de substância molhada
Veste saia rendada em meus propósitos
Que assim festivos saem em dança gostosa,
Cheirando –
Comendo dessa carne-morada
De espíritos pelados.
Meu feitio pariu luzes energéticas,
Poéticas.
Construiu-me a aconchego de leito,
De cama, ama. Amo!
Mas a companheira não pintará de um sonho:
Virá de desejo-maduro,
Desejo líquido-absoluto.
Vou dando-me assim aos seus olhos,
A seus pés –
Todos os vértices de meu tesão,
Artesão – artemãos.
Bela maneira de ser Feliz.
Sujeito de Sorte
Quem tem a terra
Tem um tanto,
Tem um canto,
Tem o quanto o pé pode pisar.
Quem tem o céu
Tem um manto,
Tem todos os santos,
Tem o quanto a imaginação pode imaginar.
Quem tem amores
Tem todas as flores,
Tem todas as cores
Que os olhos podem olhar.
Quem tem o espírito alegre
Tem o alimento da vida,
Tem os versos da cantiga
Que Deus gosta de cantar.
Comboio Natal
… de todas as histórias Heliodoranas
Que ouvi que ouço que invento…
Ficam sempre uns toques de coisas hermanas
Que se sente no ar – se sente no vento.
…de todas as histórias Heliodolíricas
Que brotam das ruas que brotam dos bares…
Identificam-se formosas gozadas cívicas
Onde dançam autoridades onde dançam populares.
…de todas as figuras Heliodopovo
Que estão na dança que estão na retreta…
Paira sempre meu senso-de-humor cada vez mais novo
Que curti Zé Carrocinha – Dito Honório e Sebastiana Preta.
…de todas nossas lembranças Heliodocircenses
Que estão nas veias que estão no riso…
Nada é tão gostoso e tão recente
Como os palhaços que improviso.
…de todos os debundes Heliodofree
Que explodem nos bailes – nos carnavais…
O que mais batalha flertando com a aura do Sim
É o pique da musicalidade dos casais.
…e viva o que há em todos os dias,
Viva o que há em todas as noites.
Heliodogay – HeliodoPunk – HeliodoSonhos…
Bem vinda aos meus aposentos.
Além
As rosas jogadas ao mar
Votam à praia
E a fé vai se embora mar afora
Lambendo as profundezas,
Pedindo às incertezas
De volto as antigas formas,
Às plausíveis chamas de ser feliz.
Eu me jogo ao mar
E não volto jamais.
Apenas meu contentamento
Retorna a tudo que se reconcilia
Com as ilhas –
Com pessoas de outras margens,
De outros pés.
Não precipito quando repito
Minhas estratégias
De guerrear além-front,
Além som-meu – além mar.
Apenas sou como as rosas e a fé
Distanciam-se sem ruptura,
Sem captura,
Sem desvio total.
Eu não precipito meu sigilo de ser
Vou sendo sem segredos
Por fora de outras coisas
Além do bem e do mal.
Renatada
Eu vi explodirem as muralhas
E aprendi que é preciso voar
Eu conheci os segredos das águias
E amanheci nas barbas do sol.
NÓS SOMOS OS DEUSES!
Assim dizia eu
Eu mesmo…
Muito… muito antes de mim agora.
NÓS SOMOS OS DEUSES!
Assim diziam as estrelas
As próprias…
A própria luz de vagalume.
VOLTAREMOS…
Comendo o algodão doce das nuvens
Voando… voando longe
Longe caindo como sonhos de papel.
CANTANDO…
Cantando coisas estranguladas
Doces-afinadas
Como favos de mel.
__Bens__
Meu bem querer,
Meu espírito sabe o bastante
Da carne – do sangue – do osso.
Sabe da juventude de Heliodora
Aos jacarés do Mato Grosso.
Meu bem deitar,
Quero sempre te penetrar quente e úmido,
Povoar-te contemporâneo e sólido,
Eu, o príncipe desperto e solto.
Meu bem-feito corpo lúcido,
Quero a preguiça nas planícies de teu vulto,
Ir embora, em sopros em teus gemidos e pernas,
Voltando sempre em carícias eternas
No presente do indicativo,
Nos seios cativos do peito seguro.
Meu bem-saber,
Deus está acordado e com tudo.
Meu bem-prazer
Minha casa é um trem
E os passageiros são nobres.
Chove lá fora.
Destinando
A preciosidade do meu riso
É bagagem de apocalipse,
Fogueira de aclipse,
Calmarias e bagaços.
E por onde brilho
Não vendo meus colares
Não castigo meus pesares
Dou
Desvirginando o que fora inventado.
Pois simplesmente existem rubis
Existem paulicéias e metáforas
Cautelosamente fluem patuás
Colorindo prados de leveza.
E não quero meu choro preciso
Navegando precisão
Quero meu riso narciso
Vagabundo – indeciso
Famoso como os óculos de lambião.
Memória
O vento correu…correu
E o Universo partiu
Foram gotas de orvalho sem madrugada
Foram pétalas macias jamais beijadas
Que voaram nas asas
De um pássaro de Pau-Brasil.
E hoje temos um grito
Uma suposta estrada
E na amplidão pluriverso o eterno ego
Que rola na eternidade de cada infinito.
Pois cada corpo é um fato
Cada verdade um consciência
E sobretudo
Nós somos os deuses.
Audio: “Capanema e Ipacabana” por Renato Vieira.
Vídeos do Canal do senhor Waldir José Ferreira