Um Ricardo Bem Brasileiro

Um Ricardo Bem Brasileiro

Como apreciador de teatro, lembro-me de um episódio interessante. Foi quando vi Stênio Garcia, no palco, interpretando Ricardo III, de Shakespeare. A peça foi encenada em 1992 no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.

A história se passa no final da Guerra das Rosas (1455 – 1485), no conflito pela sucessão do trono da Inglaterra. Ricardo, duque de Gloucester, quer conquistar o trono inglês que, por direito, não lhe pertence. Com esse objetivo não mede esforços nem vilanias: conspira, trai, comete assassinatos. Shakespeare retrata a figura de Ricardo III, ressaltando-lhe as deformidades física e moral.

Já conhecia essa narrativa pelo cinema. Assistira ao filme, de 1955, dirigido e estrelado por Laurence Olivier. Obra em que Olivier reuniu uma constelação dos maiores atores ingleses shakespearianos da época. Não ganhou nenhuma premiação importante, a despeito de ser um maravilhoso espetáculo cinematográfico. Soberbo nas interpretações, montagem e técnica. Pecou, talvez, pelo classicismo.

Mesmo sabendo ser uma das melhores peças do dramaturgo inglês, fui ao teatro movido mais por curiosidade. Queria ver como seria Stênio Garcia, capixaba da gema, moreno, estatura baixa, um brasileiro típico, representando um rei inglês, com a alma e o corpo deformados por tantas vilanias.

A verdade é que Stênio deu conta do recado, mesmo reclamando da produção e direção. Excelente interpretação, fazendo o público odiar a figura de Ricardo III.

Todos os tipos criados por Shakespeare são atemporais. Representam o melhor e o pior do ser humano. A figura de Ricardo III pode ser encontrada em políticos e governantes da atualidade. Há quem não vacile em lançar mão de meios torpes para conquistar o poder. Talvez não recorram ao homicídio porque vivemos numa sociedade mais civilizada. Mas certamente tentarão a mentira, a corrupção e a destruição de reputações via fakenews caluniosas. Usarão a mídia e as redes sociais com essa finalidade. Não lhes faltarão meios grosseiros ou até sutis de evidenciarem suas deformidades de caráter. Ricardos III em pleno século XXI.

Por Gilberto Silos