quando eu era um bebê não era assim.
eu imaginava que era parte do todo que era a minha mãe.
e isso, por si só, era mais do que eu imaginei por muito tempo.
(mas não mais do que eu imagino agora.)
depois eu cresci e passei a me identificar comigo mesmo;
e ao outro, e ao mundo, como diferente de mim.
os cinco sentidos são assim:
portais para as trocas com o mundo externo.
e não foi só comigo, isso foi acontecendo com cada um de nós,
quando nos demos conta, já estávamos pensando, refletindo,
cada qual criou identidade própria, única, pessoal
– ao mesmo tempo miraculosa e assustadora.
quando a razão se instalou em mim
eu passei a viver na superfície das coisas.
nesse campo de batalha que é a morada da matéria,
do manifesto, da diferenciação e da impermanência.
porque você há de concordar comigo que aqui
tudo é cíclico, insustentável, e, no limite,
nunca nos entenderemos.
a lei da entropia garante:
cada um de nós retornará, a seu tempo,
ao estado de mínima energia.
ou você é água, ou você é fogo,
ou você é ar, ou você é terra:
e a razão pede que eu tome partido.
(mas se é verdade que há um liame
ao lado de dentro das coisas)
na planície há um lago onde sopra a brisa ao sol
que sempre será.
e se com uma lupa eu ampliar o seu cérebro
não restará nem vestígio da ideia
de tão separados os neurônios como
as estrelas do céu.
(mas se é verdade que há um liame
ao lado de dentro das coisas)
há uma convergência das linhas do tempo
para esse lugar.
o big bang das ideias está espalhado
mas é possível juntar os cacos dentro.
a todo momento que você for capaz
de submergir.
(existe esse lugar de integridade)
nada do que aparenta ser obtuso
é de fato irreconciliável
(na simples mudança de dimensão:
espaço íntimo do ser).
2019