Eu sou publicitário. Mas quis o Criador que, nas horas vagas, eu conseguisse ser também uma pessoa normal, com manias, defeitos, carteira de habilitação e algumas preferências. Dentre estas últimas estão a meditação, que pratico diariamente há cinco anos, e um amor desmedido à música clássica, da qual sou dependente desde criancinha.
Há centenas de técnicas meditativas. Uma delas é a meditação com fones de ouvido emitindo ondas theta, de 4 a 8 Hz. A prática induz a um estado de consciência associado ao sono reparador e ao acesso ao subconsciente. No YouTube há centenas de vídeos com emissão ininterrupta de theta waves, alguns ultrapassando oito horas de duração – caso o freguês pegue no sono embalado por elas.
Chegar a este estágio cerebral theta corresponde a um profundo relaxamento físico, à baixa consciência e a uma diminuição sensível no ritmo cardíaco, compatível com o transe hipnótico. Agora imagine estar levitando neste limbo, a um triz da viagem astral, e ser arrancado a fórceps do nirvana por uma maldita vinheta do i-food ou de esfiha habib’s a 35 centavos…
É uma violência e uma covardia, já que obviamente você está de olhos fechados e não vê os alertas de “Anúncio em 5, 4, 3, 2, 1”. Quando aparece o “pular anúncio / skip ad” já é tarde demais, você já está completamente desperto e maldizendo a repulsiva marca que por pouco não patrocina seu infarto.
Com a música clássica (ou erudita, como insistem alguns), o coice auditivo é igualmente traumático. Você lá, coluna ereta, um plácido sorriso nos lábios, embalado por cantos gregorianos e eis que um coro esganiçado apregoa uma arrebentativa “Operação Limpa-Estoque Marabraz – preço melhor, ninguém faz!”. Ah, não. Haja amor ao ofício…
Esta é uma obra de ficção.
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