Ela pede a mãe. Todos pedem. Até os que não falam. E não adianta, naquele primeiro momento, o afago carinhoso da professora. Ela é estranha. E não é a mãe. Quem é?
A criança está deslocada. Perdida. A idade ainda não lhe permite assimilar a importância desse deslocamento imposto. Tem de estar ali. Sentada. Ouvindo uma outra pessoa. Pessoa que não a mãe.
Olhinhos vermelhos. Fungando. E a necessidade ali. A imposição social. Também ela. Sempre. O vínculo que se quebrava. Nova conexão deveria ser empreendida. Erigida.
A criança abandonava o lar. Ou o lar abandonava a criança. Trágico demais?
O coração pequeno arfava. Apertado. Também o da professora. Como convencer a inocência e a infância de que estar fechada e sentada seria melhor? Como convencer o sorriso e liberdade infantil de que as filas nas quais seu corpo começava a se encaixar eram ‘realmente’ importantes.
Permanecer era necessário. O mundo assim queria. Era. Afirmação incontestável. Aceitação, valorização, informação, capacitação, socialização. O estado exigia essa “ação”. Corpo submetido, doutrinado. E ela só queria a mãe. Ir para a mãe.
Mas a mãe também, nesse sentido, significava o fracasso do empenho da Estrutura. A mãe era o fora da escola. E ela. A criança tinha de estar dentro. Protegida pelos muros. A mãe era, agora, a escola e sua rigidez, suas normas, seus limites.
Permitir a fuga para a mãe. Aquela da barriga, do afago; era possibilitar um possível fracasso.
Então valiam os esforços. Todos os esforços. Água doce, desenhos para pintar, promessas várias e diversas.
E então o pequeno corpo aceitaria. Sentaria em sua fila, retiraria lápis e papel e suportaria a ausência da mãe, da casa, das bonecas. Nova fase. Frase. Texto novo e estranho.
Novo corpo. Criança. Corpo novo e estranho.
Do fundo da minha letra e deste texto ainda lembro a pequena lágrima, assustada. Lágrima que inunda minha “carranca”, máscara de me fazer grave.
A professora sorri e tenta sintonizar sua alegria com o olho entristecido, com o pequeno corpo encolhidinho. Penso em nossos pequenos encolhimentos, nossas frustrações. Nossos medos – os quais fingimos abandonar, mas que estão sempre ali.
Penso. Sinto?
Estes pequenos corpos trazidos. Encaminhados. As casas se abrem e eles saem. Para o mundo?
Para o nosso mundo. Este do qual escrevo. Este que me escreve. Este mundo que dificilmente faz concessões. Adulto mundo.
O treinamento para a vida? Qual vida?
A que nos sobra. O que resta?
Há um horário. Um tempo determinado. O aprisionamento do corpo. Condicionamento. Assim é. Assim foi. Será sempre?
Dentro dos muros e da segurança institucional, a professora se esforça. A lágrima e o sorriso disputam espaço no pequeno rosto. As palavras doces, o tom carinhoso tenta aproximar-se de música. Encantar… cantar.
Poderia o lápis e cor pintar a alegria. Cobrir esse mundo nosso?
Casinha e montanha. O sol brilhando e prometendo uma eternidade de alegria e diversão? Os pássaros em forma de M voando tão próximos do sol…
A mãozinha segue pintando. As cores afastam o medo, a angústia, a falta da mãe… a lágrima transforma-se no laguinho azul onde um patinho estranho em forma de S sorri.
Neste momento há um encontro. Fantasia e realidade. Dois mundos pulsantes…
Pena que em pouco tempo a casinha e a montanha perderão sua poesia, sua força suas cores…
Primeiro dia.
Meu agradecimento especial às colegas da Escola Municipal Getúlio Vargas de Pedro Osório que leram este texto antes de sua publicação.
Amanda, Franciele e Leda.
Ronie Martins