Arte Cultura Popular Gilberto Silos Literatura

O Mestre-sala

O Mestre-sala

Laurinho era o nome dele. Afrodescendente, simpático, muito querido em Casa Branca, cidade onde vivi até os 19 anos. Todos o conheciam como o mestre-sala da José do Patrocínio, única escola de samba local.

Naqueles tranquilos anos 50, o Carnaval casa-branquense se limitava a  bailes e matinês infantis nos poucos clubes da cidade. A escola de samba representava a Associação Atlética José do Patrocínio, clube da comunidade negra, responsável pelo único desfile nas ruas, na noite de terça-feira. Os foliões aguardavam sua apresentação na praça principal, antes de se dirigirem aos bailes que finalizavam o Carnaval.

Lá pelas nove da noite a escola adentrava a praça. O Laurinho à frente, junto com a porta-bandeiras, dando um espetáculo de ginga e ritmo para uma multidão delirante.

Em 1961 deixei Casa Branca para tentar a vida em São Paulo. Só retornava para rever a família nos feriados prolongados, mas raramente no Carnaval. Os anos se passaram e eu nunca mais ouvira falar do Laurinho.

Em 2008, estive naquela cidade visitando alguns parentes. Num sábado à noite fui jantar numa cantina com minha irmã e meu cunhado. Conversa vai, conversa vem, num dado momento a fisionomia de um dos garçons chamou-me a atenção. Era um afrodescendente, baixinho, carapinha toda branca. Quando ele se aproximou, arrisquei perguntar-lhe o nome. Era o Laurinho. Eu o reencontrava depois de 48 anos. Conversamos um pouco e ele revelou que ainda desfilava como mestre-sala na escola de samba. Abrindo um largo sorriso, contou-me: “Continuo lá, dando meus passos, e já se foram mais de 50 anos“.

Como ele estava trabalhando, não foi possível conversar por mais tempo. Foi uma pena, porque havia muita memória a resgatar.

Mais recentemente, soube pela minha irmã que o Laurinho faleceu já há alguns anos. Partiu deste mundo justamente numa quarta-feira de cinzas, depois de desfilar na terça. Foi seu sexagésimo desfile. Não poderia ter sido em outro dia. O sepultamento aconteceu na quinta-feira. O caixão baixou ao túmulo, ao som da cuíca do Rubão, um dos veteranos da escola de samba. Deus escreveu tudo certo, com linhas perfeitas.

 

Por Gilberto Silos

 

Deixe uma resposta